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Opinião

Os cenários da luta contra o petróleo que se alastra pelo Brasil

Há consenso de estarmos diante do maior acidente ambiental em extensão registrado no País

Fracasso federal. O governo demorou demais para agir no combate ao desastre. Sem o devido treinamento, recrutas da Marinha mal conseguem recolher o óleo na Bahia (Foto: Antonello Veneri)
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Dia desses, assisti ao depoimento de uma voluntária que havia acabado de limpar o óleo de uma praia do litoral norte de Salvador. Ela chorava, desesperada, porque a maré enchente estava trazendo novos amontoados de óleo, obrigando-a a recomeçar a limpeza do zero. Pude presenciar uma cena parecida, ao vivo, no litoral sul da Bahia. Imagino que esse roteiro esteja se repetindo em várias outras partes dos 2,2 mil quilômetros do litoral nordestino. 

Há consenso de estarmos diante do maior acidente ambiental em extensão registrado no País. Enquanto escrevo, descubro que o óleo voltou a chegar em Boipeba e Morro de São Paulo. Estamos falando de toneladas de petróleo cru. A pessoa que me repassou a informação, fonte extremamente confiável, disse também que os poderosos empresários de turismo do Morro de São Paulo têm agido para abafar a notícia. 

É difícil saber exatamente quanto óleo atingiu o litoral nordestino. Só a prefeitura de Salvador contabilizou a retirada de 125,8 toneladas desde o dia 10 de outubro. Fazendo uma estimativa do litoral nordestino inteiro, com certeza passa-se das 1.000 toneladas. Em Canavieiras, no litoral sul da Bahia, o prefeito rejeita o estado de calamidade e faz propaganda de um festival gastronômico que acontece no fim de semana. Enquanto isso, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade  e os pescadores fazem um trabalho titânico para conter o óleo. Pude acompanhar essa tarefa durante dois dias, ao longo dos milhares de hectares de manguezais, canais, rios e reservas de Mata Atlântica. O pescador Jessé, juntamente com o ICMBio, construiu uma enorme rede de contenção para que o óleo vindo do mar não entre nos manguezais.

Morte à espreita. Embora “inteligentes”, os peixes também são vítimas do óleo. O pescador Jessé (acima) exibe a rede que construiu para proteger os manguezais (Foto: Antonello Veneri)

O Plano Nacional de Contingência, criado em 2013 para lidar com situações de emergência como a do vazamento de petróleo, só foi posto em prática pelo ministro Ricardo Salles no dia 11 de outubro, mais de 40 dias dias depois de o óleo ter aparecido no litoral nordestino. Os dois maiores navios da Marinha do Brasil só chegaram ao Recife em novembro, no dia 10.

Além do atraso, o governo também falhou na ação. No dia 9 de novembro, acompanhei o trabalho da Marinha em Belmonte, no litoral sul da Bahia. Os recrutas, 15 jovens cheios de boa vontade, mas sem nenhum tipo de preparo, passaram duas horas tentando limpar um trecho de praia de poucos metros. O professor Ícaro Moreira, do Departamento de Engenharia Ambiental da UFBA, propõe outra abordagem. “Não há ação de prevenção para impedir que os aglomerados cheguem às praias. Poderíamos usar barreiras de contenção, retirar o petróleo em alto-mar para reduzir a quantidade que chega.” 

Enquanto políticos e empresários se omitem, voluntários lideram as forças-tarefa no litoral

Nas últimas três semanas, percorri vários quilômetros das praias baianas. Caminhei por praias tomadas pelo óleo e por outras, aparentemente limpas. Em ambos os cenários, porém, meus pés ficavam sujos. Pergunto o porquê ao professor Moreira: “Mesmo removendo as manchas da superfície da praia, o óleo já contaminou a areia. A areia é porosa e, portanto, o óleo é absorvido. O grande problema não são os grandes aglomerados de óleo, mas os micropoluentes, as micropartículas que estão se diluindo na água e no fundo do mar. Esses micropoluentes se acumulam dentro de caranguejos, moluscos e outros seres vivos que entram na dieta dos baianos. O óleo possui compostos que podem causar problemas neurológicos e levar ao câncer”. 

O óleo também afeta a vida dos pescadores e de suas famílias. Perto de onde moro, em Itapuã, é desolador ver os barcos parados há dias. “O pessoal agora está com medo de comprar peixe”, conta Seu Chico, veterano com quase 70 anos de atividade pesqueira. “E 95% das nossas comunidades sobrevivem da pesca”, me conta Lilian, da Rede das Mulheres, coletivo de pescadoras e marisqueiras de Canavieiras. Filha e neta de marisqueiras, ela narra o descaso do poder público local. “Estão nos chamando de mentirosos e sanguessugas do governo. No dia 8 de novembro tiramos 5 toneladas de óleo da praia da Barra do Peso. Todo mundo está vendo. Temos dezenas de fotos e vídeos de todos os lugares onde a gente encontra óleo para provar. Eu sou a testemunha viva.”

O secretário de Aquicultura e Pesca pode até dizer que  “peixe é um bicho inteligente e que foge do óleo”. Mas é fato que as atividades pesqueiras estão paradas. No dia 11 de novembro, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento divulgou, em nota, o resultado de exames feitos em amostras de pescada das áreas atingidas pelo óleo. Os resultados, diz o Ministério, revelam que o nível de contaminação é baixo demais e não representa riscos para o consumo humano. O professor Moreira questiona a metodologia: “Estamos perplexos. Esta análise demanda pelo menos 15 dias. Foi muito rápido e, pela nota, não fica claro quais organismos foram analisados. A falta de transparência pode causar um problema sério de saúde pública”.

O derramamento afeta a subsistência das comunidades, dependentes da pesca

Outro ponto a destacar é o enorme desperdício de plástico para a retirada do óleo. Garis, voluntários e todos que trabalham na limpeza das praias utilizam luvas e botas para se proteger. Como a substância gruda e não sai, esses equipamentos se tornam descartáveis. Diariamente são jogadas fora centenas de botas e luvas, e também os barris que acomodam o óleo. Tudo isso gera um cruel efeito dominó: retirar o óleo custa um enorme uso de plástico, também subproduto do petróleo. É recente a notícia de que pelo menos sete praias do Espírito Santo também foram atingidas pelas manchas. O óleo não acabou.

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