Riad Younes

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Médico, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e professor da Faculdade de Medicina da USP.

Opinião

Os cavaleiros do Apocalipse

O crescimento das mortes decorrentes de infecções causadas por bactérias multirresistentes, nos EUA, faz soar o alarme de uma tragédia anunciada na medicina moderna

Antibióticos existentes são ineficazes contra alguns tipos de bactéria - Imagem: iStockphoto
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A profecia do apóstolo João, da vinda dos quatro cavaleiros do Apocalipse que antecederá o fim de todas as coisas na Terra, parece mais real que nunca.

Na atualidade, eles são representados pelo desastre climático, o desequilíbrio demográfico, as epidemias e, agora, a catástrofe do aumento da resistência das bactérias aos antibióticos disponíveis. Todos atingem diretamente o bem-estar e a saúde das pessoas, em todos os lugares.

O alarme voltou a soar esta semana, justamente nos Estados Unidos, um país rico que, teoricamente, controla melhor os problemas de saúde de sua população. Após uma redução clara (de mais de 30%) no número de óbitos decorrentes de infecções causadas por bactérias multirresistentes entre 2012 e 2017, houve, apenas em 2020, um crescimento dessas mortes em mais de 15%. A maioria dos pacientes estava internada em hospitais e unidades de terapia intensiva.

Em recente editorial publicado na prestigiosa revista médica The Lancet, os professores J. Patel e D. Sridhar, da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, atribuíram parte dessa tragédia à transferência da atenção das autoridades públicas para o combate à pandemia da Covid-19. Os autores estimam que esses dados preocupantes, vindos do Centro para Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, atingem um nível alarmante no resto do planeta.

No Brasil, ainda não existem dados fidedignos da incidência e da mortalidade de infecções por bactérias multirresistentes em nível nacional. Algumas bactérias, caracterizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo CDC como críticas e urgentes, caso da Acinobacter, resistente ao forte antimicrobiano Carbapenem, tiveram aumento de 78% em sua incidência.

Isso representa um retrocesso monumental no esforço das últimas décadas de se controlar a disseminação desses micro-organismos fatais. O perigo dessa tendência, segundo os cientistas, estaria na “aceleração evolucionária na emergência de bactérias resistentes a multidrogas, extensivamente resistentes a muitas drogas, e até organismos panresistentes” – o que significa, na teoria, a incapacidade de controle da infecção por qualquer antibiótico conhecido.

Os autores alertam: “Na ausência de soluções inovadoras e sustentáveis, associada à facilidade e velocidade de disseminação desses agentes patogênicos mundialmente, a continuidade da medicina moderna está gravemente em perigo. Este revés tem de ser temporário e revertido”.

A solução para essa tragédia anunciada reside na coordenação efetiva de vários órgãos responsáveis pela saúde pública. É preciso criar estratégias efetivas para aumentar a capacidade de prevenção, detecção e erradicação dessas bactérias, além de evitar que se disseminem intra e interinstituições de saúde. Tais estratégias têm de ser entendidas e implementadas de forma transnacional.

A ação, ou inação, de qualquer governo afetará o futuro de todas as nações. Em ano de eleições, valeria a pena ouvirmos, de nossos candidatos nos diferentes níveis, o que planejam, se planejam, para atacar de frente e tentar mitigar as catástrofes anunciadas. Se não forem enfrentados, os modernos cavaleiros do Apocalipse estarão às nossas portas bem mais cedo do que imaginamos. E será o fim de todas as coisas. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1222 DE CARTACAPITAL, EM 24 DE AGOSTO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Os cavaleiros do Apocalipse”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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