Maiara Folly

Maiara Folly é diretora-executiva da Plataforma CIPÓ, instituto de pesquisa especializado em questões de clima e relações internacionais

Alessandra Beber Castilho

Alessandra Beber Castilho é pesquisadora no da Plataforma CIPÓ, instituto de pesquisa especializado em questões de clima e relações internacionais

Marília Closs

Marília Closs é pesquisadora no da Plataforma CIPÓ, instituto de pesquisa especializado em questões de clima e relações internacionais

Opinião

Os BRICS podem (e devem) fazer mais pela agenda climática global

Os países-membros estão entre os maiores emissores globais de gases poluentes, mas decisões na Cúpula podem dar fôlego para os ‘compromissos verdes’

Lula na foto oficial dos Brics, na África do Sul. Da esquerda para a direita: Lula (Brasil); Xi Jinping (China); Cyril Ramaphosa (África do Sul); Narendra Modi (Índia); e o representante de Putin, Sergei Lavrov (Rússia). Foto: GIANLUIGI GUERCIA / POOL / AFP
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Entre 22 e 24 de agosto foi realizada, em Joanesburgo, a 15a Cúpula dos BRICS, coalizão até então formada por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Mesmo antes da expansão do grupo, que passará a ter Arábia Saudita, Argentina, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos  enquanto membros a partir de 2024, o bloco já reunia  algumas das maiores potências econômicas, políticas e militares do mundo. Por isso, a solução para grande parte dos desafios globais, inclusive a guerra na Ucrânia e a crise climática, passa pelos BRICS.

Embora não tenha obtido consenso em assuntos como a questão ucraniana, para além da expressão do “apreço a propostas relevantes de mediação e resolução pacífica do conflito“, o encontro de chefes de Estado buscou dar  fôlego a soluções em áreas de maior convergência, como a transição energética. Desde sua fundação, declarações conjuntas do BRICS têm enfatizado a importância do desenvolvimento sustentável. O grupo também possui uma série de projetos relevantes à pauta climática, como a Plataforma de Cooperação em Pesquisa Energética do BRICS, criada em 2018, e o  plano de ação para cooperação energética até 2025, com ênfase em energias renováveis, biocombustíveis e transportes sustentáveis.

A Declaração final da Cúpula de Joanesburgo saúda “o fortalecimento da cooperação e os investimentos crescentes nas cadeias produtivas em direção a transições energéticas” e reconhece a necessidade de participação plena na cadeia global de energia limpa. Ainda assim, o caminho para que os BRICS alcancem a neutralidade climática é longo. Os países estão entre os maiores emissores globais de  gases poluentes e acabam de admitir como membro a Arábia Saudita, segundo maior produtor de petróleo do mundo. Além disso, grande parte das trocas comerciais intrabloco, sobretudo entre China e Rússia, ainda gira em torno de combustíveis fósseis, notadamente petróleo e gás. Dentre os países do grupo, o Brasil possui a matriz energética mais limpa, com fontes fósseis compreendendo 54%. Em contraste, a África do Sul depende de fontes fósseis em 97% de sua matriz, a Rússia em 94%, a Índia em 92% e a China em 87%. Por outro lado, grande parte das exportações brasileiras para o bloco segue dominada por produtos com forte associação com o desmatamento, como a soja e a carne bovina.

Paralelamente, os BRICS convivem com elevados índices de pobreza e desigualdade, tornando essencial aprofundar a cooperação visando a transição para modelos econômicos mais verdes e, ao mesmo tempo, socialmente responsáveis. Um primeiro passo seria ampliar o papel que o Novo Banco de Desenvolvimento, hoje liderado pela ex-presidente Dilma Rousseff, pode desempenhar no impulso à transição ecológica e equitativa. Embora durante a sua passagem pela África do Sul o presidente Lula tenha declarado que  o banco do BRICS “deve ser um líder global no financiamento de projetos que abordem os desafios mais urgentes de nosso tempo,”  desde a sua criação a instituição concedeu somente 15 empréstimos para projetos em energia renovável e apenas cinco para infraestruturas sociais. Só três deles foram alocados ao Brasil, para projetos de transmissão energética, instalação de painéis solares e fortalecimento do sistema educacional de Teresina, no Piauí.

Os BRICS, produtores de um terço dos alimentos do mundo, também se comprometeram a fortalecer a cooperação em agricultura sustentável.  Os países do bloco denunciaram o que consideram barreiras comerciais discriminatórias “impostas por certos países desenvolvidos sob o pretexto de combater as mudanças climáticas.” Mesmo antes da ida à África do Sul, onde  o presidente Lula se opôs ao que classificou como “neocolonialismo verde“, o Brasil já havia demonstrado insatisfação com medidas tomadas  por atores como a União Europeia, que aprovou lei que visa impedir a compra de produtos associados ao desmatamento e adotará uma taxa de carbono para importações de vários setores, incluindo aço, alumínio, cimento e fertilizantes.

Mesmo diante do temor de que tais medidas possam ser instrumentalizadas para impor distorções injustas ao comércio internacional, é fundamental que existam regras claras e mecanismos eficazes para livrar as cadeias produtivas de crimes ambientais e de violações aos direitos humanos. Por isso, os BRICS deveriam incentivar um arcabouço global, negociado multilateralmente, para estabelecer critérios e exigências socioambientais robustos  e em conformidade com as regras do comércio internacional da Organização Mundial do Comércio.

Apesar do contexto geopolítico turbulento, os BRICS  devem ampliar a sua ambição na implementação de  medidas concretas de cooperação em direção à transição verde e justa em seus países, ao mesmo tempo em que reforçam a cobrança sobre as nações desenvolvidas  para que honrem suas responsabilidades climáticas históricas.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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