Opinião
Os bilionários e o Estado
O seu superpoder alcançou tal dimensão nos EUA, na Europa e no Brasil que já não se pode mais falar em democracia
Querido leitor ou leitora, hoje quero fazer mais uma diatribe contra os endinheirados, mais especificamente contra os bilionários – a turma da “superbufunfa”, por assim dizer. Terei vosso apoio, com certeza. Se qualquer endinheirado já desperta a aversão do resto da humanidade, imagine um bilionário. Quando alguém encontra coragem para criticá-los ou, mais importante, para coibir de algum modo o seu imenso poder, a satisfação do povo é generalizada.
Nas mentes dos bilionários, a hostilidade dos demais é simples resultado de inveja. Na verdade, não é apenas isso. As pessoas intuem que o dinheiro acumulado em grande montante resulta quase sempre de roubo, irregularidades e maracutaias – não de mérito ou empenho pessoal. É desprezo ou revolta, portanto, não inveja.
Os bilionários atingem o seu ápice quando conseguem tomar as rédeas do Poder Público. Em outras palavras, quando reduzem o Estado Nacional à condição de “comitê executivo da burguesia”, como diziam Marx e Engels. Compram deslavadamente os políticos, no Executivo e no Congresso, e passam a dar as cartas. As leis e sua execução ficam subordinadas às suas vontades e privilégios.
Mas Marx e Engels erraram em generalizar. Depende do país. Uma coisa é o que acontece nos Estados Unidos e no Brasil, por exemplo. Outra, a que se vê em países como a China e a Rússia. Nesses países, o Estado não é um simples comitê executivo da burguesia. Existem os bilionários, também conhecidos como oligarcas na Rússia, mas o poder político não está subordinado a eles. Um dos grandes feitos de Putin foi tornar o Estado mais independente dos oligarcas, que foram superpoderosos no tempo de Boris Yeltsin na década de 1990, depois da dissolução da União Soviética. Na China, os bilionários são influentes, mas não podem botar as mangas de fora. Se o fazem, logo são devidamente disciplinados. Quem dá as ordens é o poder político, em especial o Partido Comunista.
Pode-se dizer que o sucesso nacional da China e da Rússia, nas décadas recentes, só aconteceu porque os bilionários foram enquadrados. Isso permitiu o rápido crescimento econômico com diminuição da pobreza, serviços públicos de qualidade e respeito ao meio ambiente. A Rússia resistiu bem às sanções ocidentais e subiu para a posição de quarta economia do mundo, pelo critério de PIB calculado por paridade de poder de compra. A China ultrapassou os EUA em tamanho econômico absoluto e continua crescendo sem parar. Tornou-se, entre outras coisas, a fábrica do mundo. Inversamente, as dificuldades estruturais dos Estados Unidos e do Brasil derivam em boa parte das distorções e injustiças decorrentes do domínio da turma da superbufunfa. Os bilionários tomaram de assalto o Poder Público e governam para si, à revelia dos interesses da maioria da população.
Entre nós, esse domínio do dinheiro alcança proporções verdadeiramente indecentes. O Congresso Nacional está fatiado em feudos dos diferentes segmentos do poder econômico. O orçamento foi esquartejado, prejudicando gravemente a qualidade do gasto público. No campo tributário, multiplicaram-se as isenções, os incentivos e os regimes especiais, criados com pouco ou nenhum critério e monitoramento. Além disso, os super-ricos contribuem pouco para a arrecadação pública, seja porque são modestas as alíquotas sobre os rendimentos elevados, seja porque as rendas do capital e a riqueza escapam à tributação. Toda vez que se tenta fazê-los contribuir um pouco mais, ergue-se na mídia o clamor contra a carga excessiva de impostos e a “voracidade do Estado arrecadatório”.
O superpoder dos bilionários alcançou tal dimensão nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil que já não se pode mais falar em democracia. O que existe é a plutocracia – o governo dos mais ricos; a cleptocracia – o governo dos ladrões; e a caquistocracia – o governo dos piores. Bem, xingar em latim é uma delícia – soa menos vulgar e, mais que isso, passa ares de erudição. Mas o ponto importante a frisar é que com o predomínio inconteste dos plutocratas, cleptocratas e caquistocratas, não há desenvolvimento possível e imaginável. Países subdesenvolvidos não escapam do subdesenvolvimento; países desenvolvidos se subdesenvolvem a olhos vistos.
Temos ou não motivos para vilipendiar a classe dos bilionários? •
Publicado na edição n° 1386 de CartaCapital, em 05 de novembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Os bilionários e o Estado’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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