Maurício Daniel Gattaz

Médico e doutor em medicina pela Universidade de São Paulo

Opinião

Os bancos e a prática da usura

Espero viver para olhar estas mudanças, ainda que graduais

Em julho de 2022, os bancos formam a maior fatia de credores no País; mais de 60% das dívidas dos brasileiros são com o setor. Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil
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Começo o ano abrindo o aplicativo do banco para examinar as contas. Fico surpreendido com a proposta de um empréstimo, não solicitado, com juros exorbitantes e indecentes de 3,77% ao mês – o que corresponde a um juro anual de 56%. Só para lembrar, as previsões apontam para uma inflação em torno de 5% em 2023. O mesmo banco remunera minha aplicação com cerca de 0,7% ao mês.

Para tornar mais palpável esta matemática, o cliente, ao pedir emprestado R$ 200 mil pagará, em 72 meses, R$ 670 mil. Ou seja, o cliente compra um Corolla e paga um Porsche; a diferença fica com o agente financeiro. O nome correto disso é usura! Fora de um sistema regulado, agiotagem!

Desde os tempos bíblicos, tal atitude é condenada como uma das grandes transgressões éticas. A cobrança de juros abusivos, ou um lucro exagerado sobre empréstimo, foi condenada por São Tomaz de Aquino no século 13, porque representa lucro sobre algo improdutivo, precificando o tempo, que é um dom universal. As religiões monoteístas, por meio da Bíblia Sagrada e do Alcorão, condenam veementemente a usura como prática que desagrada a Deus. É repudiada socialmente, já tendo sido considerada conduta criminosa por diversos ordenamentos jurídicos brasileiros.

Papa Francisco assim diz: “A usura é um pecado grave porque mata a vida, pisoteia a dignidade das pessoas, é veículo de corrupção e impede o bem comum”. Acrescente-se a isso o fato de que, quanto mais poderoso e influente for o requerente do empréstimo, menor será a taxa de juros, perpetuando, assim, a injustiça com os mais pobres e acentuando as desigualdades.

Assim é que os bancos ficam cada vez mais ricos e o povo mais pobre. Tais instituições propagam ações sociais diversas ao mesmo tempo em que asfixiam “à la George Floyd” os seus próprios clientes. Vidas humanas importam! Clientes importam! Isto é desumano e amoral.

Quando chegará o momento em que os bancos terão atitudes solidárias com seus clientes e com o país? Compreendo que banco é um negócio, não uma obra de caridade. Portanto, é justo ganharem e dar rendimento a seus acionistas. No entanto, que o façam financiando de maneira justa seus clientes, não extorquindo-os, mas ajudando-os a viverem com mais dignidade. Financiem empresas de valores éticos que andem de mãos dadas a uma agenda moderna de justiça. Viabilizem novos investimentos para produzir mais empregos, mais educação, melhor saúde, moradia e alimentação para as atuais e futuras gerações.

Há de se mudar os valores e a missão destas instituições financeiras, para efetivamente contribuir com a justiça social e reparar tamanha desigualdade no país. A nós, como cidadãos, devemos, sim, assumir nossa responsabilidade num país tão injusto e desigual. Mas penso ser urgente cobrar do atual governo um olhar regulatório sobre a usura praticada pelas instituições financeiras.

Este texto em forma de uma catarse emocional tem sua lança dirigida aos grandes agentes financeiros. Espero viver para olhar estas mudanças, ainda que graduais, mas com metas estabelecidas a favor de um povo por ora desprotegido, mas que se erguerá com força e determinação. Os céus clamam por justiça! Lutemos por isso.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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