Gustavo Freire Barbosa

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Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”.

Opinião

Os acertos e riscos na indicação de Cristiano Zanin ao STF

Supõe-se que o advogado tenha espírito progressista, mas é pouco. Após Toffoli e Fachin, impossível não cogitar no que Zanin pode se tornar

O advogado Cristiano Zanin. Foto: Mauro Pimentel/AFP
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Lula acaba de indicar Cristiano Zanin, seu advogado, para o Supremo Tribunal Federal. Para os que acreditam na assepsia política do direito, é uma heresia o fato de um mandatário indicar alguém tão próximo ao posto de ministro da mais alta corte. Mas, como certa vez explicou Marx, os horizontes do direito são demasiadamente estreitos para que se entenda qualquer coisa fora do barbeado mundinho dos juristas.

Zanin é um caricato fruto desse mundo. Na essência e na aparência. Prestou seus serviços com rigor e competência ao presidente. Por conseguinte, deu sua contribuição à democracia brasileira, possibilitando que Lula, rifado fraudulentamente do processo eleitoral de 2018, pudesse retornar ao Palácio de Planalto em 2022.

Zanin fez parte dos advogados que, no início dos processos da Lava Jato contra Lula, projetaram que não iam dar em nada. A crença cega no direito tirou de seu alcance o fato de que são a força e a política que o formatam, e não o contrário. A impecável técnica jurídica de Zanin e dos demais que compuseram a defesa de Lula não foi suficiente para conter os arroubos absolutistas da dupla Moro & Dallagnol. A atmosfera do País era a da antipolítica, saguão histórico do fascismo. Estavam politicamente autorizados a passar o trator nas leis porque assim disse a política de negar a política, criminalizando-a ao seu limite.

Nos EUA da década de 30, Roosevelt encontrou na suprema corte severos obstáculos para a concretização do New Deal, o programa de recuperação econômica adotado para lidar com a crise de 1929. Somente após a mudança na composição dos ministros é que o plano conseguiu deslanchar. Roosevelt, evidentemente, priorizou pessoas que tinham proximidade política, ideológica e partidária com ele.

A natureza política das supremas cortes é vista com muito mais naturalidade nos EUA e em outros lugares que no Brasil, onde juristas escondem seu nojinho da política descendo ao nível das correntes de Whatsapp, defendendo infantilidades como a de concurso público para ministro do STF. Afinal, não são Dallagnol e Moro os mais eminentes porta-vozes de que a legitimidade do sistema de Justiça se concentra no primeiro grau, universo dos concursados, blindados contra os malvadões da política? Ao se tornarem parlamentares, ambos nos deram a oportunidade de ver sua mutilação intelectual também na política partidária e institucional, dando a prova definitiva de que passar em concurso público está longe de ser um recibo de inteligência.

Sobre Zanin, não se sabe bem qual sua opinião sobre temas centrais como povos originários, direitos sexuais e reprodutivos, meio ambiente, economia, direitos trabalhistas, reforma tributária etc. Supõe-se que, por ter sido advogado de Lula, tenha espírito progressista. Mas é muito pouco. Toffoli, com um longo e sólido passado de advocacia militante na esquerda, virou o que virou. O mesmo quanto a Fachin, preposto da Lava Jato no STF. Depois desses exemplos, impossível não cogitar no que Zanin pode se tornar.

Há mulheres e homens negros tão juridicamente capacitados quanto Zanin e com um histórico de militância e proximidade ideológica com o petismo que representam uma maior salvaguarda contra viradas ideológicas. Por que não dar prioridade a estas pessoas, conferindo ao STF uma pluralidade que não faz parte da sua história?

Lula acerta ao não se prender ao sofismo republicano de nomear alguém “imparcial” para um espaço que é político em sua essência. Mas pode estar cometendo um equívoco ao jogar as fichas em alguém que não oferece garantias além de uma relação contratual e pessoal.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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