Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Oprah e Viola: uma entrevista de milhões

Há pouco mais de um mês, o meu fascínio por Viola aumentou, ganhou novas proporções

Foto: Reprodução Netflix
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“ Encontre pessoas na sua vida que amem você. E amem você por inteiro, até os seus defeitos.”

Viola Davis

Estou sempre à procura de Viola Davis. Sempre. Nenhum outro artista me toca de maneira tão profunda quanto a atriz afro-americana. As palavras dela me atravessam. Eu me reconheço em muitas passagens de sua história: nas experiências de desamor, em episódios de pobreza, na violência racista que sofri durante a vida escolar, nas pessoas que encontrei e me ajudaram a sonhar alto, a chegar até aqui.

Há pouco mais de um mês, o meu fascínio por Viola aumentou, ganhou novas proporções. A Netflix brindou a mim e aos assinantes com uma conversa entre ela e a apresentadora Oprah Winfrey. Trata-se de um encontro entre duas das figuras mais importantes e celebradas do show business mundial, que faz jus ao meme do momento. Oprah e Viola é uma entrevista de milhões.

Tendo como ponto central as memórias registradas por Viola Davis no livro recém-lançado “Finding Me: a memoir”, ao longo do diálogo, a atriz negra mais premiada da história do Oscar partilha sua crise existencial, agravada durante o período de isolamento social em razão da pandemia. Viola revela que atravessou uma fase de muitos questionamentos em relação à carreira e a si mesma, o que a fez olhar “para dentro” de maneira muito intensa: “Qual o meu propósito?” – ela pergunta. 

Nessa viagem, de posse de passagens que a levaram ao passado e ao seu íntimo, Viola diz que questionou a presença de pessoas que estavam a sua volta, o que trouxe a sensação de “ter impostores entre os meus amigos. Pessoas ultrapassando limites. Pessoas achando que eu era mercadoria”. Nesse ponto, Viola me acendeu um alerta. 

Tenho refletido muito sobre o quanto muitos de nós, negros, durante a vida, mantemos ao nosso lado, consideramos, chamamos de amigos aqueles que, na verdade, nos humilham, nos desprezam, nos exploram, aprofundam ainda mais o sentimento de menos valia motivado pelo racismo. Como se não bastasse, em grande medida, nutrimos um sentimento de gratidão por essas pessoas, sentimos culpa quando decidimos nos afastar delas, comportamento que é explicado pelo psiquiatra martinicano Frantz Fanon. A reflexão de Viola não poderia ter vindo em melhor hora. Não quero, não posso mais aceitar impostores em minha vida. Assim como Viola, “estou criando a vida que eu realmente quero”.

Viola Davis fica emocionada, nos faz emocionar ao falar da infância, da menina que fez xixi na cama até os quatorze anos de idade, que levou uma vida de “pobreza abjeta”, que cresceu em um lar marcado pela fome, pela violência, tomado por ratos que roeram até sua boneca preferida. Viola Davis fala da menina traumatizada que era perseguida, apedrejada, alvo do racismo na escola. Mais uma vez, me vi nas palavras de Viola Davis. Assim como ela, assim como milhares de crianças negras deste País, também fui “apedrejada moralmente” durante minha trajetória escolar. 

Impressionada com o percurso da atriz, Oprah pontua, questiona: “Que vida incrível você construiu, como você usou a força, como você usou o poder que eu nem sei de onde você tirou?!”. Como resposta, Viola Davis explica a importância do sonho, do desejo de se tornar atriz ainda na adolescência: “Eu precisava de um sonho como eu precisava de água, comida. Aquele sonho não era só um objetivo. Aquele sonho era a minha saída. Era a minha salvação”. 

Nesse ponto da entrevista, não me deparei com a Luana menina, mas com a professora Luana Tolentino. Tenho falado de maneira reiterada sobre a necessidade de dar espaço ao sonho em sala de aula, da mesma maneira que damos a disciplinas como Português, Matemática, Ciências, Geografia, História e tantos outros conteúdos. Defendo que, muitas vezes, precisamos ensinar aos estudantes a sonhar, apontar caminhos, ampliar horizontes, de modo que eles se sintam motivados a ir em busca de seus objetivos, apesar das barreiras sociais construídas propositalmente para que não consigam aquilo que almejam.  

Viola ainda fala da relação com o pai, do homem violento que foi, mas que no final da vida conseguiu perdoá-lo, a partir do entendimento de que ele “fez o melhor que podia com as ferramentas que tinha”. Viola Davis fala do perdão, não do ponto de vista cristão. Sob essa perspectiva, somos ensinados que é preciso perdoar para que possamos escapar de um possível castigo, de uma suposta condenação. Viola vai na direção contrária. Ela traz o perdão como algo que nos faz “seguir em frente, seguir em paz”. 

Ouvir Viola Davis é sempre uma oportunidade de aprendizado, um mergulho em nossas regiões mais profundas, em lugares que muitas vezes temos dificuldade de acessar. Ouvir Viola Davis é sempre uma aula sobre resiliência, sobre os impactos do racismo na vida das pessoas, sobre a importância de ter oportunidades, de contar com verdadeiros mentores que nos ajudem a chegar em lugares distantes dos nossos sonhos, de encontrar pessoas que nos amem verdadeiramente. Sem sombra de dúvidas, Oprah e Viola é uma entrevista de milhões.

Em tempo: Em 2015, ao se tornar a primeira negra a receber o Emmy de melhor atriz, Viola Davis afirmou que “a única coisa que separa as mulheres negras de qualquer outra pessoa é a oportunidade”. Pensando nisso, quando teremos uma Oprah Winfrey no Brasil, País em que 56% da população é formada por negros? Aguardo respostas dos diretores de programas de entrevistas.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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