

Opinião
Oportunidade histórica
Em 2025, temos a chance de um acerto de contas com 1964


O julgamento de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal é o acontecimento mais importante da história brasileira contemporânea. Finalmente, temos a chance de um acerto de contas há muito devido. Simbolicamente, os golpistas de 1964 estarão sentados no banco dos réus com os golpistas de 2023: Bolsonaro, Augusto Heleno, Braga Netto e o resto da gangue, herdeiros da linhagem torpe de torturadores, violadores e carrascos dos porões da ditadura.
O Brasil não foi capaz de punir os golpistas de ontem, acobertados pela magnânima Lei da Anistia de 1979, que, indevidamente, protegeu quem cometeu crimes de lesa-humanidade. Desta vez, o STF não permitirá o erro de perdoar os golpistas de hoje. A sentença da Primeira Turma haverá de ter caráter pedagógico e civilizatório para o Brasil. Como bem disse o ministro Flávio Dino: “Golpe de Estado mata. Não importa se é no dia, no mês seguinte ou alguns anos depois”.
Bolsonaro responde pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. A conspiração incluía o infame plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Os assassinatos seriam executados por integrantes de uma unidade de elite do Exército, que, como bem definiu um dos conspiradores mais raivosos, atende pela alcunha de “rataria”.
Da mesma forma, carrega algum peso simbólico o fato de que um dos insufladores das pressões do governo norte-americano contra o Brasil, por conta do julgamento, seja neto do último ditador do ciclo de 1964. Ao atuar na linha de frente do golpismo corrente, Paulo Figueiredo contraria o desejo do avô, João Figueiredo, que, ao deixar o Palácio do Planalto pela porta dos fundos, pediu para ser esquecido.
Como esquecer aquele que preferia o cheiro de cavalos ao cheiro do povo, o valentão do “prendo e arrebento”, mas que não conseguia – ou não queria – controlar os extremistas da linha dura que, em seu governo, explodiam bombas a torto e a direito? Como esquecer o atentado do Rio Centro, que só não se tornou uma carnificina porque a bomba explodiu antes da hora no colo de um dos militares terroristas?
Paulo Figueiredo só não consegue ser mais patético do que Eduardo Bolsonaro, cada vez mais surtado diante da iminente condenação do pai e de sua eventual prisão. Atrás das grades, Jair tenderá ao ostracismo. Mais que depressa, a argentária elite brasileira já aponta para o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, como seu próximo boneco de ventríloquo. É esse cenário que exaspera Zero Três e que o levou a articular-se com os extremistas dos EUA em prol de toda sorte de chantagens contra o Brasil.
Trump soube aproveitar a oportunidade para mascarar seus interesses geopolíticos e estratégicos com a defesa de Bolsonaro. O resultado é que o julgamento se realiza com o País, o Supremo e, particularmente, Moraes, sob ataque da maior potência militar do planeta, que tenta nos pôr de joelhos. A mesma, aliás, que deu suporte ao golpe de 1964. O passado retorna com métodos diferentes. As tarifas aplicadas aos produtos brasileiros estão entre as mais altas, capazes de quebrar setores, provocar desemprego e desespero em milhares de famílias. Na agressão à nossa soberania, somam-se ainda as sanções financeiras e a proibição de vistos para autoridades brasileiras.
Trump não entende as diferenças entre o Brasil e os EUA. Se lá ele escapou incólume do atentado de 6 de janeiro de 2021, aqui Bolsonaro estará diante de seus juízes apenas dois anos e oito meses depois do 8 de janeiro de 2023. Tempo suficiente para a investigação da Polícia Federal, a denúncia da Procuradoria-Geral da República e o julgamento com amplo direito de defesa. Sim, desta vez, nossas instituições funcionaram como deveriam funcionar, visando os que atentam contra a normalidade democrática.
Minha geração cresceu sob a ditadura e assistiu à impunidade dos golpistas de 1964. Mas espero, confiante, que a geração do meu filho possa testemunhar que os traidores da pátria de 2023 não conseguirão escapar da Justiça. Esse salto no tempo explica muito das mudanças que conseguimos operar no Brasil, à custa de imensos sacrifícios, com muitos sobressaltos, avanços e recuos. Que o julgamento histórico deste setembro de 2025 seja o começo da construção do Brasil que queremos ser. •
Publicado na edição n° 1378 de CartaCapital, em 10 de setembro de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Oportunidade histórica’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.