CartaCapital

[email protected]

Há 29 anos, a principal referência em jornalismo progressista no Brasil.

Opinião

Opinião: Retórica estatística não esconde as verdades sobre rombo fiscal

Para Álvaro Gradim, “culpar quem trabalha a serviço da sociedade pelos déficits é uma imensa falácia”

(Arquivo Marcelo Casall Jr./Agência Brasil) (Arquivo Marcelo Casall Jr./Agência Brasil)
Apoie Siga-nos no

A pesquisa do Instituto Millenium, subsidiária da campanha “Destrava”, com a qual a entidade busca pressionar o governo a realizar a reforma administrativa, na ânsia de julgar e condenar sumariamente o funcionalismo público como um dos culpados pelo rombo fiscal, apresenta falhas, distorce os dados e ignora o significado dos recursos humanos para que o Estado cumpra seu papel de servir ao povo. Trata-se, portanto, de um estudo que exercita uma estranha retórica de números e informações.

A primeira questão a ser reparada, considerando-se o que foi veiculado na mídia, é que a pesquisa não separa, na apresentação dos dados macro, servidores públicos estatutários, ou seja, os concursados e dedicados a carreiras, dos ocupantes de cargos em comissão. A grande maioria destes é contratada pelos governadores, prefeitos, presidente da República, senadores, deputados estaduais e federais e vereadores, quando assumem seus mandatos, após as eleições. São pessoas advindas das campanhas eleitorais, correligionários, indicadas por aliados políticos e/ou na esteira de acordos entre partidos e chefes do Executivo.

 

É importante esclarecer, o que não fez o Instituto Millenium, que esses ocupantes transitórios de cargos em comissão estão incluídos no total de gastos com recursos humanos, que a pesquisa indica representar 13,35% do PIB. Também integram a média salarial do Estado, na comparação feita pela entidade com os vencimentos de funções iguais na iniciativa privada. Cabe observar que, normalmente, esse pessoal contratado por compromissos, acordos e critérios políticos acaba ganhando mais do que os funcionários estatutários.

Outro item da pesquisa a ser esclarecido refere-se à informação de que os gastos com o funcionalismo são 3,5 vezes maiores do que os dispêndios com a saúde e o dobro com a educação. Ora, esses dados estão superpostos, pois os orçamentos das duas áreas, como todas as demais, incluem os salários dos respectivos servidores. No mínimo, estes valores teriam de ser excluídos na comparação com a massa salarial de todos os servidores, para não ser computados duas vezes.

Trata-se, portanto, de uma informação, da maneira como a pesquisa coloca, sem nenhuma aplicação prática ou fundamento sólido para argumentação. Ou seria possível promover assistência médico-hospitalar sem médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, atendentes… ou manter as escolas sem professores e profissionais administrativos?

A pesquisa do Instituto Millenium desconsidera, sobretudo, o significado do funcionalismo público para o atendimento da sociedade, cuja importância tem sido enfatizada a cada dia no enfrentamento da Covid-19. O pessoal do Sistema único de Saúde (SUS), da União, estados e municípios, policiais, coletores de resíduos sólidos de numerosas cidades e profissionais administrativos de diversas áreas estão na rua para viabilizar o funcionamento do País, garantir assistência médica, segurança e a operação de terminais de carga e rodoviários e de toda a infraestrutura a cargo do Estado. Os professores, contanto com a informatização precária de boa parte das escolas públicas, têm se desdobrado para ministrar aulas remotamente, mantendo milhões de crianças e jovens ocupados na quarentena e salvando o ano letivo.

É contra essas pessoas que a pesquisa do Instituto Millenium e sua campanha “Destrava” tentam insurgir a sociedade. Acredito que a entidade prestaria um serviço mais relevante ao País e mais assertivo no sentido de subsidiar a reforma administrativa, se analisasse os salários das pessoas que cada político eleito contrata, sem concurso, ao tomarem posse em seus respectivos cargos. Seria interessante, também, apontar quais serviços esse contingente efetivamente presta. Com certeza, não estão nos hospitais, nas escolas, no enfrentamento da criminalidade, nos fóruns, na coleta do lixo e no atendimento a população. Também seria oportuno o levantamento de dados precisos sobre gastos supérfluos, auxílios para moradia e combustível, viagens, mordomias há muito incorporadas ao “rito” de numerosos cargos eletivos e o custo inerente às relações fisiológicas entre partidos e poderes.

Depois de computado tudo isso, será inevitável concluir o óbvio: culpar quem trabalha a serviço da sociedade pelo rombo fiscal é uma imensa falácia!

*Álvaro Gradim é presidente da AFPESP (Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo)

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo