Henry Bugalho

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Henry Bugalho é curitibano, formado em Filosofia pela UFPR e especialista em Literatura e História. Com um estilo de vida nômade, já morou em Nova York, Buenos Aires, Perúgia, Madri, Lisboa, Manchester e Alicante. Por dois anos, viajou com sua família e cachorrinha pela Europa, morando cada mês numa cidade diferente. Autor de romances, contos, novelas, guias de viagem e um livro de fotografia. Foi editor da Revista SAMIZDAT, que, ao longo de seus 10 anos, revelou grandes talentos literários brasileiros. Desde 2015 apresenta um canal no Youtube, no qual fala de Filosofia, Literatura, Política e assuntos contemporâneos.

Opinião

Obrigado, Roberto Alvim (uma carta sincera após seu vídeo sincero)

Gostaríamos de estar errados, de sermos apenas ‘exagerados’ e ‘alarmistas’, mas as evidências se amontoam e seria um erro trágico ignorá-las

O ex-secretário Roberto Alvim
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Caro Roberto Alvim, eu queria lhe agradecer.

Sabe, em certos momentos, nós gostaríamos de estar errados, de não termos conseguido ler corretamente os sinais, de termos confundindo um fenômeno por outro bastante diferente.

Muitos de nós fomos chamados de “exagerados”, “histéricos” e “alarmistas” durante a campanha eleitoral do Bolsonaro por tentarmos estabelecer relações entre o discurso dele e outros momentos históricos, de repressão e autoritarismo, tanto do Brasil quanto internacional.

O fascínio do candidato Bolsonaro pela ditadura militar sempre foi explícito e ele não tinha pudores algum em relembrar-nos que esta era a sua referência política: ditadura, repressão e tortura.

O livro de cabeceira do Bolsonaro?

A obra de um reconhecido torturador da ditadura.

A quem Bolsonaro homenageou em seu voto pelo impeachment da ex-presidente Dilma?

Este mesmo torturador.

Algumas pessoas foram ainda mais longe e tentaram forçar um vínculo entre Bolsonaro e Hitler. Em protestos no Chile, por exemplo, fundiram a cara deles dois. Eu hesitei. Até eu achei que tal comparação era exagerada.

Não dá para negar que a extrema-direita populista global hoje parasita muitos temas e até mesmo a retórica de líderes fascistas dos anos 20, 30 e 40.

Na Itália, por exemplo, houve um renascimento do fascismo como tal, que possui até uma sede em Roma. Em países do leste europeu, como Polônia, Hungria, Croácia, Áustria, Ucrânia e mesmo na Alemanha, assistimos a um assustador renascimento de grupos nazistas. Nos EUA, a supremacia racial está em voga, e embora seus alvos sejam principalmente negros norte-americanos e imigrantes latinos, também há uma profunda carga antissemita. Nas manifestações da alt-right antes do massacre de Charlotesville em 2018, homens com tochas entoavam cânticos contra judeus e fizeram saudação nazista.

Um tema que perpassa diferentes grupos extremistas de direita é o da “Grande Substituição”, de que existe um movimento globalista de extermínio da raça branca através do multiculturalismo e, possivelmente, com uma forcinha do multibilionário George Soros, que, por sua vez, também é judeu e nos remonta à velha teoria conspiratória do Protoloco dos Sábios de Sião e que serviu para alimentar a onda antissemita na Alemanha nazista.

No entanto, Bolsonaro jamais expressou ideais antissemitas; pelo contrário, elegeu-se e ainda hoje conta com um apoio substancial e crucial da comunidade judaica, bem como do governo de Israel.

Por isso, para muita gente – para mim inclusive, repito – comparar Bolsonaro a Hitler era forçar as tintas.

Entretanto, você, atuando como secretário da Cultura, veio e anunciou seu Prêmio Nacional das Artes. Num vídeo publicado nas redes sociais, você reproduziu textualmente trecho de um discurso de Joseph Goebbels, o famigerado ministro da Propaganda do governo nazista, além de toda uma estética, linguagem corporal e proposta claramente vinculada ao regime de Hitler.

Jamais tivemos dúvida do caráter autoritário de Bolsonaro e de qual era seu ideal de sociedade, mas, se precisávamos de um elemento que nos pudesse vincular a Hitler, quem nos forneceu isto foi você.

Se fôssemos condescendentes com você, poderíamos encarar isto como uma zombaria, como uma proposta kitsch, talvez com o objetivo de satirizar os críticos de Bolsonaro que sempre os estão associando ao chanceler nazista. No entanto, mesmo se fosse isto – o que duvido -, o tiro saiu pela culatra.

De maneira inequívoca, você (que foi rapidamente exonerado por ordem do presidente) nos entregou de bandeja aquilo que nos faltava, o elo explícito entre nazismo, extrema-direita atual, Bolsonaro e Olavo de Carvalho, do qual sei que você é um devoto seguidor.

Não poderia ser mais explícito.

Gostaríamos de estar errados, de sermos apenas “exagerados” e “alarmistas”, mas as evidências se amontoam e seria um erro trágico ignorá-las.

Por isto, mais uma vez obrigado, Roberto Alvim, por permitir que o povo brasileiro enxergue melhor quais são os reais valores daqueles no poder.

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