

Opinião
O valor do imponderável
O estado psicológico dos jogadores definiu as vitórias dos times que não eram os favoritos nas partidas derradeiras dos campeonatos paulista e carioca


Vivemos em um tempo no qual se pretende que tudo seja decidido por meio de estatísticas, porcentagens e análises de dados. É como se quisessem incutir em nossas mentes que tudo se resolve de véspera, deixando de considerar a grande qualidade do homem: sua capacidade de se emocionar e de transformar a realidade.
O esporte tem sido pródigo em provar o contrário. Embora os dados, a ciência e a racionalidade sejam levados em conta, o esporte mostra que não é preciso – nem possível – desprezar a sensibilidade, a surpresa, a criatividade e o imprevisível que imitam a vida.
Glória aos Garrinchas, Pelés, Maradonas e Messis – só para citar alguns atletas, sem desmerecer outros que vieram antes e outros que ainda virão. Mas vivemos a era do excesso de métricas e análises de dados. Não à toa, os dribles andam escassos, os técnicos são supervalorizados e o futebol vai se aproximando dos jogos mecânicos e eletrônicos.
Temos tido, recentemente, um número enorme de decisões, de campeonatos estaduais – Copa do Nordeste, Campeonato Paulista – a Libertadores. E o que vemos são promoções e rebaixamentos, classificações internacionais e a ansiedade pelo início de novas competições, principalmente das séries A e B do Brasileiro. Isso, sem mencionar o sorteio das chaves para a Copa 22, do Catar.
Do sorteio para o Mundial ficou a sensação de estarmos torcendo para as “zebras” e o desejo de que, ao final, a Seleção brasileira volte campeã. Seria o bálsamo para estes tempos duros que enfrentamos por aqui.
Na semana repleta de decisões, os Fla-Flus e os São Paulo vs. Palmeiras prestaram-se também a demonstrar, de modo irrefutável, a nossa pretensiosa tese. Em primeiro lugar, vieram as discussões sobre o fator emocional. O estado psicológico dos jogadores foi entendido como tendo sido definidor nas duas disputas decisivas e responsável pelas “surpresas”, com as vitórias dos que não eram os favoritos nas partidas.
No jogo do Maracanã, pelo Campeonato Carioca, houve situações marcantes. Abel Braga, técnico do Fluminense, mostrou sua identificação extraordinária com o campo e com os jogadores. Ele nos deu a prova definitiva da importância da qualidade técnica do jogador na formação de um time. Essa qualidade foi representada, especialmente, pelo excepcional Ganso – mesmo sem poder físico para jogar dois tempos inteiros.
Em São Paulo, a surpresa do resultado do jogo de ida, com a vitória categórica do tricolor, deu lugar a uma frustração arrasadora na partida derradeira, no domingo 3. O SPFC caiu no erro primário de apenas defender a boa vantagem inicial com um time bem menos experiente que o Palmeiras.
Danilo, no alviverde paulistano, e André, no tricolor carioca, explodiram de vez, restando a eles ser “domados” da saudável volúpia que só Nelson Rodrigues saberia definir. A personalidade forte dos dois atletas ficou explícita, primeiro, ao tomarem as iniciativas num time de jogadores mais novos e, depois, ao prenderem a bola o tempo todo, driblando dois ou três jogadores, com autoconfiança elevada. Os abraços efusivos dos técnicos durante as comemorações deixaram evidente a aprovação da postura.
O Fluminense apresentou o futebol de melhor qualidade deste momento no Brasil e ganhou força para persistir na concepção adotada. Quanto ao Palmeiras, sabemos da força do time.
O Flamengo, fragilizado neste período de transição, começou perdendo na véspera, com a figura patética do seu presidente, Rodolfo Landim, sentando-se no banco de reservas. Sua presença deu “bandeira” de que o ambiente estava pesado. É, de fato, difícil manter o equilíbrio em um time de massa. O clube, com elenco inflacionado de campeões, tem precisado trocar os pneus com o carro rodando.
De resto, cabe aqui o cumprimento aos demais campeões Brasil afora e, em especial, ao Fortaleza, que, na Arena Castelão, sagrou-se campeão da sensacional Lampions League. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1203 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE ABRIL DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O valor do imponderável”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.