Justiça

O vale-tudo do partido NOVO para defender bilionários

Para o NOVO, é tempos de sacrifício… desde que você não seja bilionário.

Deputado Paulo Ganime (NOVO/RJ).
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Na noite da sexta-feira, 03 de abril, o deputado Paulo Ganime (NOVO-RJ) subiu à tribuna da Câmara dos Deputados com a missão de defender as emendas de seu partido à chamada PEC do “orçamento de guerra”, que cria um regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.

Ganime afirmou que os sacrifícios não deveriam ficar restritos à iniciativa privada, devendo o funcionalismo público destinar uma parte de seus ganhos para bancar as despesas decorrentes da crise. Aproveitou a deixa para emendar que os fundos Partidário e Eleitoral, que têm o propósito de financiar as eleições e partidos políticos diante da proibição do financiamento empresarial de campanhas, também deveriam ter esse destino. A proposta sequer chegou a ser posta em votação, embora nas redes sejam comuns vídeos e correntes acusando parlamentares de terem votado contra.

Para Ganime e seu partido, é tempo de todos se sacrificarem – a não ser, obviamente, que você esteja entre a ínfima parcela da sociedade que tem milhões ou bilhões em sua conta bancária.

Segundo dados da décima edição do Relatório de Riqueza Global do Credit Suisse, o número de milionários no Brasil apresentou em 2019 uma alta de 42 mil pessoas em relação ao ano anterior, chegando a 259 mil brasileiros. Em 2018, eram 217 mil.

O Brasil também ganhou 16 novos bilionários no mesmo ano. De acordo com o ranking anual da Forbes, o país tem 58 bilionários cuja fortuna soma 179,7 bilhões de dólares. No ano de 2018, eram 42 pessoas que tinham mais de 1 bilhão de dólares no bolso.

É a favor desse pessoal que o NOVO se presta ao papel de capataz, mirando seu arsenal em moinhos de vento como o dos servidores públicos, maldosamente colocados no debate como marajás mesquinhos, corporativistas e responsáveis pela escassez de dinheiro para financiar serviços essenciais como o SUS (em 2018, metade dos servidores públicos no Brasil ganhava até três salários mínimos, ou R$ 2,9 mil, enquanto, só no ano passado, um trilhão de reais, correspondente a 38% do Orçamento Geral da União, caíram no ralo do rentismo e foram destinados ao pagamento dos juros e amortização da dívida).

A boa e tradicional idolatria religiosa liberal, que vira a cara para os fatos quando eles não contemplam suas teorias, explica em parte a falta interesse de Ganime quanto ao fato dos clãs Setubal, Villela e Moreira Salles – controladores do Itaú Unibanco Holding – terem recebido R$ 9,1 bilhões em dividendos e juros sobre capital próprio) entre 2013 e 2018, período que incluiu dois anos seguidos de contração da economia. Estima-se que, em 2020, serão distribuídos R$ 4,921 bilhões a seus acionistas, enquanto o IBGE, no final do ano passado, divulgou que os 5% mais pobres da população tiveram em 2018 uma queda de 3,2% em seus rendimentos.

Se há uma instituição financeira que pode contar com a fidelidade canina do partido de Ganime é o Itaú.

Matéria do Valor Econômico assinada por Maria Cristina Fernandes em 2016 traz que o maior bloco de financiamento do NOVO gravita em torno do banco – a começar por João Amoêdo, seu ex-diretor que, sozinho, tirou 4,5 milhões do bolso para financiar o partido. O ex-candidato à Presidência da República é a figura mais conhecida entre os benevolentes endinheirados que doaram quantias nada discretas para viabilizar uma sigla que não perde a oportunidade de levantar sofismas para legitimar desigualdades sociais e assim proteger o patrimônio de seus mecenas.

João Amoêdo foi candidato a presidente pelo partido Novo

E quanto do patrimônio e da renda desse baronato, geralmente composto por doadores de migalhas filantrópicas, poderia ajudar o SUS? Estudo de autoria da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip), dos Auditores Fiscais pela Democracia (AFD) e do Instituto Justiça Fiscal (IJF) apontou que taxar super-ricos geraria uma receita de pelo menos 272 bilhões para lidar contra a crise na saúde pública decorrente do novo coronavírus (a título de esclarecimento, quem ganha cinco mil reais ou financiou um smartphone em doze vezes não se encontra entre esses super-ricos).

O valor dos fundos Eleitoral e Partidário contra os quais Ganime e sua turma se insurgem foi destacado pelo próprio parlamentar em seu discurso: 3 bilhões de reais, uma merreca diante do que pode ser arrecadado com a taxação do convescote que tem simpatia pelo NOVO – sem falar na sonegação, que anualmente raspa nos 400 bilhões de reais. Ainda que tributados, nenhum de seus integrantes deixaria de ser bilionário ou milionário, estando muito bem apoltronados nas trincheiras opostas às do trabalhador que vê seu salário se corroer ano a ano e agora ainda é alvo das sucessivas medidas provisórias apresentadas pelo governo Bolsonaro.

Isso mostra que o NOVO não está preocupado em financiar a saúde, seja em tempos de pandemia ou não. Está, sim, preocupado em submeter a política institucional ao domínio do poder econômico, buscando tirar suas fontes públicas de financiamento e minando a alternativa encontrada para mitigar a influência do capital na democracia.

Quer também, naturalmente, criar uma cortina de fumaça para proteger a categoria onde estão os cinco bilionários que, juntos, concentram patrimônio equivalente à renda da metade mais pobre do Brasil, mais de 100 milhões de pessoas, conforme relatório da Oxfam de 2018. Tais objetivos só são possíveis se realizados na esteira da dilapidação de tudo o que for público, inclusas as salvaguardas que a democracia traz contra as pressões pouco republicanas protagonizadas pelos padrinhos do NOVO.

A verdade é que é bem difícil sustentar na cara dura que bilionários devem sair ilesos da crise – e logo eles, que fizeram sua fortuna por meio de desonerações fiscais, sonegações, empréstimos de dinheiro público a fundo perdido, tributações inexistentes e compras de títulos da dívida a taxas elevadas e liquidez garantida. É essa dificuldade que faz com que o NOVO seja obrigado a adotar esse jogo de prestidigitações, construindo inimigos imaginários para guardar os cofres de quem segura sua coleira. Um papel à altura de quem se dispôs a ser uma aguerrida linha auxiliar do bolsonarismo.

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