Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

O último encadernador

Hoje eu tenho a impressão de que o Jurandir só encaderna as minhas revistas

Foto: Arquivo Pessoal
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O último encadernador da face da Terra tem nome e sobrenome. O nome dele é Jurandir e o sobrenome Silva, como milhões de brasileiros, inclusive o presidente da República eleito.

Apesar de trabalhar pra mim há muitos anos, sei pouco dele. Sei que Jurandir é um encadernador à moda antiga, caprichoso que só ele. Tem uma oficina de encadernação na Barra Funda que herdou do Mario, um japonês que trabalhou décadas com encadernação e depois mudou para o mercado imobiliário.

Olhando assim para as quatro paredes da minha revistaria, acho que todo esse empório foi encadernado ou pelo Mario ou pelo Jurandir.

Coleções completas de revistas francesas – Geo, L’Histoire, Philosophie, Ulysses, Actuel – e muitas brasileiras – Superinteressante, Realidade, Senhor, Pif Paf, Bondinho, Argumento e tantas outras. A paleta de cores do Jurandir é enorme, o que deixou a revistaria bem LGBTQA+: Vermelha, azul, amarela, verde, toda gama de cores.

No século passado, eu costumava levar as revistas para serem encadernadas lá na oficina da Barra Funda, mas de uns tempos pra cá, é o Jurandir que vem na minha casa buscar os pacotes e trazer as encadernações. Tipo Rappi.

Na época em que pessoas colecionavam e encadernavam revistas, o Jurandir vivia atolado de trabalho. Gostava de ir na oficina dele só pra ver aquela montanha de revistas que entupiam as acomodações, ainda cheirando a cola.

Ficava surpreso ao ver que pessoas encadernavam Manchete, O Cruzeiro, Fatos e Fotos, essas revistas que eram consideradas de cabelereiro ou consultório médico.

Conheci o Mario e depois o Jurandir através da turma da Editora Trip, que encadernava com ele há muitos anos. Verdade. Só de Trip, Gol, Personalité, Mais e TPM, era um Everest.

Mas o mundo mudou. As pessoas diminuíram de comprar revistas e muito menos, encadernar. Hoje eu tenho a impressão de que o Jurandir só encaderna as minhas revistas. E eu sou a única pessoa que ainda encaderna revistas.

No meio dessa conversa, eu tenho uma historinha pra contar. É ele que encaderna também, a cada três meses, as folhas de A4 onde escrevo e ilustro diariamente os Cadernos da Família, um diário ilustrado de um pai, duas mães, quatro filhos, uma neta, um neto e milhões de amigos.

O Mario sabia minha vida toda e de vez em quando ele comentava: Sua filha formou na USP, né? Ele confessou um dia que, antes de encadernar os Cadernos da Família, ele lia página por página. Chegou a me dar os pêsames quando leu que a Vó Romilda tinha morrido.

O Jurandir é mais discreto, nunca comentou nada.

Semana passada, ele levou para encadernar o volume 32 da Piauí, o volume 5 da Quatro cinco um, as três revistas semanais com a vitória do Lula na capa e também mais um volume do Cadernos da Família, talvez o de número 182.

Ontem, recebi um zap do Jurandir dizendo que vai demorar um pouco para trazer as encadernações porque agora ele tem outra atividade e está trabalhando com as minhas encadernações somente aos sábados.

Respondi que era para ele ficar tranquilo, não tinha pressa. Mas fiquei curioso: qual será a nova atividade do Jurandir? Será o mercado imobiliário?

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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