Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

O torcedor político

A dúvida dele é como torcer pelo Brasil, pelo conjunto da obra

Foto: NELSON ALMEIDA/AFP
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Ele não torceu pro Irã, que levou de seis a um da Inglaterra, apesar de estar sempre do lado do mais fraco. Aqui no Brasil, torce pelo América Mineiro. Torcer pelo Irã, que tem reprimido violentamente as mulheres, desde que Mahsa Amini morreu nas mãos da polícia, não! Ele quer que o Irã perca os três primeiros jogos e volte pra casa, pra desgosto dos aiatolás.

Ficou triste ao ver a zebra entrar em campo no jogo Argentina e Arábia Saudita. Teve vontade de soltar fogos com o primeiro gol de Messi, mas foi perdendo a graça com a virada.

Ele torce por todos os times da América Latina: Argentina, Uruguai, Costa Rica, México, amou a vitória do Equador por dois a zero em cima do Qatar.

Não torce pelos Estados Unidos porque não gosta dos americanos, que ainda chama de yankees. Não importa se são os democratas ou os republicanos que estão no poder. Quando jovem, não tomava Coca-Cola, não mascava chicletes nem comia batatinhas Pringles, artigos imperialistas.

É um torcedor fanático da República dos Camarões, desde que leu, nos anos 1980, uma reportagem na revista Actuel que dizia que os jogadores, com pouco dinheiro no bolso, iam de coletivo pros treinos, levando a própria chuteira dentro de uma sacola de pano.

Ele torce para a Alemanha só porque é apaixonado por Berlim, mesmo depois daquele sete a um. Nos anos 1970, ele torcia para a RDA, a República Democrática Alemã, a Alemanha Oriental, comunista.

Não faz a menor questão de torcer para times sem graça, tipo Suíça, Canadá e Austrália.

Sempre torce pra França, morou lá uma década exilado e guarda um carinho pelo país. Sabe que o Brasil já foi eliminado duas vezes pelos franceses, mas não sabe torcer contra. É o seu segundo país.

Holanda, ele ama, desde aquele escrete que todos chamavam de Laranja Mecânica.

Ama também o colorido dos uniformes de quase todos os africanos. E a alegria deles na hora de um gol, às vezes raro.

Portugal ele sempre torce a favor, desde aquele 25 de Abril, desde a Revolução dos Cravos. Espanha também, desde a morte de Francisco Franco.

Sente saudade da seleção do Peru, ainda mais quando Didi era o técnico. Sente saudade também da exótica Coreia do Norte, que, diz a lenda, colocou o técnico no paredão depois da eliminação.

Gostaria de ver em campo a Samoa Americana, a pior seleção do mundo, aquela que, no dia 11 de abril de 2001,  perdeu de 31 a 0 pra Austrália.

Gostaria de ver na Copa países que nunca foram: Líbano, Kuwait, Cuba, Barbados, Vietnã, países assim.

Quanto ao Brasil, ele fica em dúvida. Jurava nunca mais vestir a camisa amarela e sair por aí desde que os bolsonaristas se apoderaram dela. Mas como Lula venceu as eleições, tem pensado duas vezes.

A dúvida dele é como torcer pelo Brasil e contra Neymar, pelo conjunto da obra.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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