Paulo Nogueira Batista Jr.

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Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

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O terceiro turno

Lula tem como vencê-lo? Uma vitória folgada no próximo domingo certamente facilitaria a vida do presidente

O terceiro turno
O terceiro turno
Foto: Ricardo Stuckert
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Estamos todos preocupados com as eleições presidenciais. Haverá segundo turno? Logo saberemos se Lula foi eleito de cara ou se voltará a enfrentar Bolsonaro no fim de outubro. Mas não é do primeiro nem de um eventual segundo turno que gostaria de falar hoje, e sim de um outro turno que, se eleito, Lula terá de enfrentar, quer queira, quer não – o terceiro turno.

O que é esse terceiro turno? Ele começa, caro leitor, antes do primeiro e só termina depois da eleição. Trata-se do processo pelo qual o poder econômico-financeiro atua para enquadrar os candidatos, no maior grau possível, tornando-os atentos e obedientes a seus interesses e privilégios.

Isso inclui extrair compromissos do que será e, sobretudo, do que não será feito. E inclui ainda, talvez mais importante, a pretensão de escalar o time do futuro presidente, indicando quem deve e quem não deve ser nomeado para as principais funções, sobretudo na área econômica.

Vejamos o caso do candidato favorito, segundo todas as pesquisas. A turma da bufunfa tem agora um objetivo primordial: garantir que Lula, se eleito, fuja o mínimo possível do script. Procura, em outros termos, colonizar seu governo. Este é sentido do terceiro turno no Brasil de 2022.

Temos, agora, pelo menos uma diferença importante em comparação com eleições anteriores: o ponto de partida do ­establishment financeiro é melhor desta vez. A lei de autonomia do Banco Central, aprovada no governo Bolsonaro, estabelece que o comando do Banco Central fica nas mãos de um executivo do mercado, Roberto Campos Neto, pelos primeiros dois anos do novo governo. E Lula, cauteloso, prontificou-se a indicar publicamente que não procurará mudar esse quadro.

No entanto, a turma da bufunfa quer mais, sempre mais. Busca o controle do Ministério da Fazenda, com a indicação de um nome dela, ou palatável a ela, para o comando da pasta mais importante. Dou de barato que o superministério da Economia, uma péssima ideia retomada por Bolsonaro, será dividido de novo em Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio. A Fazenda permanecerá, porém, o ministério mais poderoso.

Como Lula reagirá a essas pressões? Aceitará a canga, tornando-se uma figura em grande parte decorativa, sem poder real na área da economia? Não creio. Lula tem declarado, repetidamente, que volta para fazer mais e melhor. Independentemente disso, o desempenho pífio da economia e da sociedade brasileira, em termos de dinamismo e justiça, exige uma mudança mais estrutural na economia e em outras áreas. Como fazer essa mudança com a Fazenda e o Banco Central imobilizados?

Caro leitor, posso garantir: não estou sendo idealista demais nem sonhando sonhos irrealizáveis. Acredito que é perfeitamente possível tourear essas pressões do poder econômico e conduzir o País a um futuro melhor, de desenvolvimento com autonomia nacional e distribuição de renda. Isso requer coragem e clareza de propósitos que Lula certamente tem.

Mas vamos a praticidades. O que fará Lula? Difícil saber. Depende, entre outros fatores, de como se dará a eleição. Será no primeiro turno? No segundo, com resultado apertado? Ou com alguma folga? Uma vitória folgada sobre Bolsonaro auxiliará a vitória no terceiro turno ou, pelo menos, um resultado favorável para Lula e os que querem mudanças no País.

A liberdade do futuro presidente fica limitada, em alguma medida, pela necessidade de contemplar os integrantes do centro e da centro-direita que ingressaram na frente superampla formada por Lula em 2022. Mas a liberdade não terá sido suprimida.

O ponto crucial seria manter o controle da Fazenda. Isso poderia se dar, talvez, pela nomeação de um político da confiança do presidente. Pode ser alguém que não assuste o mercado, mas esse alguém deveria estar comprometido com uma agenda inovadora. Não um ­novo ­Palocci, pelo amor de Deus!

Por que um político, e não um economista? É que o cargo exige, mais do que nunca, capacidade de interagir e negociar com o Congresso. Um político com passagem pelo Congresso e experiência parlamentar poderia ajudar muito, sobretudo agora que os poderes do Congresso se agigantaram por causa da dependência vital de Bolsonaro em relação ao Centrão.

Bem, chega de palpites. Ninguém me perguntou nada. Mas reitero, a título de conclusão e síntese: apesar das limitações e riscos, temos motivos para pensar que haverá vitória, ao menos parcial, no terceiro turno também. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1228 DE CARTACAPITAL, EM 5 DE OUTUBRO DE 2022.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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