Alberto Villas

villasnews@uol.com.br

Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

O tempo passa, o tempo voa

Alberto Villas escreve sobre as limitações que a pandemia nos impôs

O tempo passa, o tempo voa
O tempo passa, o tempo voa
Foto: iStock
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Tem mais de um ano que acordo pontualmente às cinco horas da manhã, quando o celular apita. É a partir das cinco que coloco minha vida em ordem. Leio, escrevo e vejo o dia nascer feliz.

Tem mais de um ano que dou bom dia a Julia Duailibi e ao Octavio Guedes às seis horas em ponto, na Globonews.

Tem mais de um ano que rego religiosamente a pequena horta na varanda do meu apartamento, na maior cidade da América do Sul. Fofo a terra, recolho as folhas secas.

Tem mais de um ano que ando de meias em casa, que leio mais de um livro por semana, que tento arrumar a minha biblioteca por autor, que tento finalizar o livro O ano em que você nasceu, que escrevo uma crônica semanal para a CartaCapital, finalizo toda quinta-feira.

Tem mais de um ano que ouço falar diariamente em coronavírus, coronavac, comorbidade, Pfizer, leitos de UTI, hospitais de campanha, cemitérios, primeira dose, segunda dose, flexibilização, pandemia, Jansen, IFA, infectologista, Sputnik, álcool em gel, higienização, protocolo, ciência, água e sabão.

Tem mais de um ano que olho a vida lá fora pela janela, o dia nascendo, correndo, escurecendo, sumindo.

Tem mais de um ano que não beijo as amigas, não abraço os amigos, não amasso meu neto, não calço sapatos, não coloco o relógio no pulso, não entro num ônibus, não provo abacaxi na feira, não ponho as mãos no corrimão, não passo as páginas das revistas molhando a ponta do dedo com saliva.

Tem mais de um ano que espero a estreia do filme Marighella, que penso em fazer um cuscuz marroquino pro Fernando Morais e mais vinte amigos.

Tem mais de um ano que não vou ao Mil Plantas comprar mudas de tomate cereja, que não vejo o mar de Havana, as montanhas de Minas, as flores do jardim da casa do meu irmão.

Tem mais de um ano que não ouço uma música do caralho do Júpiter Apple, um rock do Alice Cooper, um jazz do Dave Brubeck, uma loucura do Ígor Stravinsky.

Tem mais de um ano que não vejo o meu afilhado, a minha comadre, que discuto jornalismo com o meu compadre, que respiro aliviado.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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