Paulo Nogueira Batista Jr.

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Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países

Opinião

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O tempo de rosnar já passou

Se o governo não se sente em condições de agir, então que pare de falar mal do BC

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil
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Desde janeiro, tem havido muita reclamação no mercado financeiro e na mídia tradicional sobre os “ruídos” provocados pelo presidente da República quando insiste em questionar o Banco Central (BC). Mas o que é grave, na verdade, é o “ruído” originado do próprio BC. Poucos falam nisso. Refiro-me aos comunicados e às atas do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC (que corresponde à diretoria da instituição) e, em especial, aos repetidos alertas sobre “risco fiscal”.

A preocupação com as contas públicas é válida. Porém, como se diz em inglês, not by the wildest stretch of the ­imagination (não pelo mais selvagem esforço de imaginação), se poderia apelar para a situação e as perspectivas fiscais do Brasil para manter os juros reais na lua, como tem feito o BC.

Um ponto passa frequentemente despercebido. O BC alega que é obrigado a manter os juros altos e as atuais metas de inflação porque as expectativas de inflação estariam “desancoradas”, vale dizer, superam ou ameaçam superar as metas em vigor. Reduzir as taxas de juro ou elevar as metas de inflação, alega-se, “desancoraria” ainda mais as expectativas.

Essa visão tem muitas deficiências, entre elas a de que as expectativas de inflação, captadas nos levantamentos semanais do BC e em indicadores de mercado, são influenciadas pelo próprio BC. O que temos, na realidade, há décadas, é um jogo de espelhos ou, pior, um jogo de cartas marcadas. O mercado financeiro, geralmente interessado em extrair juros altos do BC e do Tesouro, pressiona o BC a adotar uma visão exagerada dos riscos fiscais. O BC, por sua vez, ao divulgar em seus comunicados e atas de reuniões percepções alarmistas sobre as contas do governo, realimenta as expectativas de inflação do mercado.

O que fazer? A economia está em franca desaceleração desde o segundo semestre do ano passado e corre risco de entrar em recessão. Depois do caso emblemático da Lojas Americanas, espalhou-se a desconfiança e o temor nos mercados bancários e de capitais, levando ao encarecimento e escassez de recursos e dificuldades de rolagem até mesmo para empresas maiores. Acumulam-se os sinais de que possa ocorrer uma crise sistêmica de crédito, o que aumenta o risco de recessão. O BC assistirá a tudo inerte? Não tomará a iniciativa de começar a reduzir de forma significativa as taxas de juro? Oferecerá suporte de liquidez ao mercado?

Com essa presidência e diretoria do BC, a tendência é de que a reação seja too little, too late, pequena e tardia. Caberia então ao governo propor uma mudança na lei de autonomia do BC, que garante os mandatos do presidente e demais integrantes da diretoria? Propor a demissão do presidente da instituição? Não parece haver no momento apoio político no Congresso para tais iniciativas. Isso não significa, entretanto, que o governo deva assistir a tudo parado.

Para além de continuar pressionando o presidente do BC a cair na real, contando talvez com a ajuda da parte do empresariado que vem sendo sufocada pelos juros altos e pelo aperto de crédito, há também providências práticas que não podem ser adiadas. Menciono duas, do âmbito monetário.

Primeira: não demorar mais para aumentar as metas de inflação, talvez logo depois da apresentação da nova regra fiscal, prevista para março. Com metas de inflação mais realistas, o BC estará menos pressionado (ou terá menos pretexto) para praticar juros escorchantes. Metas mais realistas ajudarão a recuperar a credibilidade do BC, que sofre com o repetido descumprimento das metas irrealistas.

Segunda providência: o presidente da República tem a prerrogativa de substituir dois membros da diretoria do BC, cujos mandatos acabam de vencer. Deve fazê-lo, sem demora, indicando nomes independentes e experientes, nem do mercado financeiro nem funcionários do BC, pessoas que possam fazer um contraponto ao atual presidente. Fala-se em negociar os novos nomes com Campos Neto. Já não basta que o presidente e quase todos os outros seis diretores, com uma única exceção, continuarão a ser os indicados por Bolsonaro e Temer?

Se essas e outras providências macroeconômicas não forem tomadas com urgência, o governo Lula corre o risco de experimentar estagnação, possivelmente recessão, no seu primeiro ano – uma derrota política talvez difícil de reverter. Ação, portanto! Como dizia Dilson ­Funaro, com quem tive a honra de trabalhar quando era jovem: “Não se sai de uma armadilha pedindo licença!”

Se o governo não se sente em condições de agir no campo monetário, nem mesmo dentro do quadro legal atual, então que pare de falar mal do BC! O tempo de rosnar já passou. •

Publicado na edição n° 1250 de CartaCapital, em 15 de março de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O tempo de rosnar já passou’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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