Diversidade
Oscar 2022: um contraponto a quem celebrou o tapa
Entendo quem sentiu admiração por Will ter “se jogado na bala” para defender Jada, no entanto, acredito que a violência só é um recurso quando nenhum outro for possível.
Na noite de 27 de março, enquanto descansava, meu filho veio até mim e com um semblante triste disse: Mãe, Will Smith deu um tapa no rosto de Chris Rock durante a entrega do Oscar. Me levantei e juntos acompanhamos através das redes o episódio e os diversos posicionamentos.
As redes sociais têm pressa e não valorizam o ensinamento que recebi de minha mãe que dizia: “As piores decisões são tomadas de cabeça quente. Se puder, deixe esfriar para dar o troco”.
A internet responde de maneira sanguínea, imediatamente, assim como Will Smith fez na cerimônia e, o julgamento de dois atores que durante a vida presentearam o mundo com seu talento, iniciou com sentenças proferidas na mesma noite.
Após pesquisa nos perfis daqueles que se posicionaram velozmente, descobri que a maioria são jovens influenciadores digitais, que ainda não tem filhos negros adultos. Uma geração que assim como meu filho, teve a sorte de acompanhar o trabalho, a Arte e a entrega de ambos desde a infância.
Quando vi nas redes milhares de comentários como: “Namore com alguém que te proteja como Will”, “Deveria ter dado o tapa com a mão fechada”, “Todo mundo realmente odeia o Chris”, “Que homem! ” “ E o tapa que o Will deu no Chris Rock” dentre outros, me fiz algumas perguntas:
Qual será a opinião das pessoas mais velhas, que geraram filhos, principalmente a mãe e o pai dos atores?
O que pensou Caroline Bright, mãe de Will, ao ver seu filho reagindo daquela maneira em uma noite em que certamente torcia para ele receber o prêmio esperado por toda família?
Como será que Rosalie Rock, mãe de Chris, se sentiu ao ver o filho ser esbofeteado por um colega enquanto trabalhava, após uma piada infeliz dirigida a uma mulher negra?
Qual foi a avaliação Jada Smith ao ler que seu filho Jaden Smith escreveu em uma rede social: “É assim que fazemos!” após ver o pai agredir, gritar palavrões, chorar, justificando que as reações foram por causa do por amor que sente por ela?
Dois dias após a treta, a mãe de Will e sua companheira se manifestaram. Caroline disse em uma entrevista que: ficou surpresa e nunca viu o filho explodir daquela maneira. Jada escreveu em uma rede social: Esse é um tempo de cura e eu estou aqui para isso. Já Rosalie, até o momento que escrevo esse artigo, permanece em silêncio.
É impossível saber as opiniões dos pais dos dois atores, pois faleceram, então me detive ao que o Richard Williams, pai das tenistas Venus e Serena declarou: “Não sabemos todos os detalhes do que aconteceu, mas não toleramos que ninguém bata em ninguém, a menos que seja em legítima defesa”.
Eu que faço parte de uma geração que não está mergulhada no imediatismo midiático atual, e sou mãe de dois filhos hoje adultos, percebi que nenhum dos depoimentos dos familiares valorizou positivamente o lamentável incidente, exceto o jovem filho de Will.
Quando essas pessoas se manifestaram oralmente e no silêncio da mãe de Chris, eu finalmente me reconheci.
Durante os primeiros dias, fui tomada por sentimentos de medo e tristeza. Ver Will e Chris no Oscar foi como estar diante de um irmão, tio, primo ou filho se agredindo em uma festa cuidadosamente preparada para a família, talvez por isso tenha doído.
Penso que os filmes e séries protagonizadas por eles estão presentes em muitas casas e seguem denunciando ao mundo de maneira inteligente e sofisticada, como o racismo é perverso. Aqui sentimos como se os atores fossem nossos parentes, pois esse é um dos efeitos da Arte.
Quando temos uma relação ulterior e visceral com alguém que demos a vida, os medos da maioria de nós são muitos semelhantes. Quando pequenos tememos pela saúde, desenvolvimento e aprendizagem. Sentimos que ainda podemos proteger. Mas quando crianças negras abandonam a infância, rezamos diariamente para que retornem para casa vivas.
Entendo quem sentiu admiração por Will ter “se jogado na bala” para defender Jada, no entanto, acredito que a violência só é um recurso quando nenhum outro for possível. Will estava em um ambiente controlado e protegido, contudo, é preciso consciência de que situações parecidas, acontecem com frequência em espaços que não oferecem a mesma proteção a vida e integridade física de um jovem negro que reagir violentamente.
Às vezes, me pego pensando se a geração que opina velozmente na internet seria a mesma que, assustadoramente fica como expectadora filmando e alimentado as redes com incontáveis vídeos de brigas violentas envolvendo jovens. De qualquer maneira estou aliviada por Will no dia seguinte de cabeça fria, mostrar arrependimento por ter oferecido a todos nós uma cena ridícula.
Não sabemos se Chris sabia da doença de Jada, se ele escreveu todo roteiro ou apenas reproduziu. Contudo, quero manter a fé que ele tenha refletido e aprendido que o mundo mudou e que esse humor que fere não será mais tolerado, mesmo que não seja considerado crime no país em que vive.
Espero que os velozes da internet se lembrem que o ator que feriu Jada com a piada é o mesmo que nos presenteou como o documentário Good Hair/Cabelo Bom, inspirado por sua filha. Uma menina negra que demonstrou estar vivenciando a não aceitação com os cabelos e o mesmo sofrimento causado as mulheres negras em decorrência do racismo sistêmico.
A minha maior preocupação é com mulheres e homens que assistiram à cena submetidos a uma realidade que não é a mesma de quem pode “sair na mão” e ainda receber um prêmio após desfilar no tapete vermelho.
A experiência me mostrou que não há glamour quando estamos acompanhadas de pessoas violentas. Esse tipo de pseudoproteção tem encarcerado corpos, a maioria de homens negros e ceifado muitas vidas.
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