Tânia Oliveira

Secretaria-Executiva Adjunta da Secretaria-Geral Presidência da República, integrante da ABJD

Opinião

O STF e a Lava Jato: teses, antíteses e construções mirabolantes

A intenção de prejudicar novamente o ex-presidente Lula e virar o jogo necessitaria de um grande exercício de deformidade na doutrina

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Tendo sido praticadas toda sorte de ilegalidades na condução dos inquéritos e processos penais, sobretudo naqueles contra o ex-presidente Lula, não é de se espantar que, uma vez revelados os desvios, haja uma mixórdia desordenada para definir qual a ordem das transgressões cometidas pela operação Lava Jato, que se encartam nas nulidades a serem declaradas pelo Supremo Tribunal Federal. Sobretudo se tivermos em conta que o debate, tal como posto, enquadra-se em parâmetros mais políticos que propriamente jurídicos, como, aliás, tem sido desde o início da investigação em 2014.

Quando o ministro Edson Fachin, para surpresa e espanto geral, naquele 08 de março de 2021, declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba, anulando as quatro ações penais em andamento referentes ao ex-presidente Lula, determinou também a perda de objeto, por extensão de nulidade, de todos os demais feitos ajuizados pela defesa do ex-presidente perante o STF sob sua relatoria, inclusive o Habeas Corpus 164.493, que tratava da suspeição do ex-juiz Sergio Moro.

A tentativa de Fachin de impedir que o Tribunal se manifestasse sobre a quebra de imparcialidade de Sergio Moro não prevaleceu. O Habeas Corpus 164.493 continuou a ser julgado, tendo sua conclusão na 2ª Turma do STF, no último dia 23 de março.

Sérgio Moro restava, assim, declarado incompetente e suspeito. Mas, em ambos os casos, a questão jurídica não foi, ainda, encerrada.

A suspeição de Sérgio Moro foi declarada em relação à Ação Penal nº 5046512-94, conhecida como Triplex do Guarujá, restando, portanto, que seja estendida aos demais casos em que houve a atuação do ex-juiz contra Lula. No caso da incompetência da 13ª Vara o ministro Edson Fachin, mudando sua decisão pela segunda vez, submeteu sua decisão ao plenário do Supremo Tribunal Federal, pautada para o próximo dia 14 de abril.

Como é natural diante de tantos impasses, a pauta que se avizinha carrega um rol de dúvidas, especulações e apostas sobre os caminhos que serão tomados pelos juízes do STF na solução dos dois casos. Uma problemática que começa com um debate regimental de soberania dos colegiados e vai até o limite de possibilidade de mudança de voto do relator no caso da incompetência, aposta que fora veiculada inclusive na mídia.

Em termos regimentais e processuais, conquanto esteja embaralhada por decisões imprevistas e complexas, não é possível enxergar caminhos tortuosos para o desenrolar da questão. Por seu turno, uma intenção política de prejudicar novamente o ex-presidente Lula e virar o jogo necessitaria de um grande exercício de deformidade na doutrina, na jurisprudência e no regimento do STF. E não é difícil explicar os porquês.

A suspeição do juiz, prevista no art. 254, do Código de Processo Penal e no art. 145 do Código de Processo Civil, uma vez reconhecida e declarada, tem natureza personalíssima, isto é, refere-se àquelas partes em litígio, não se aplicando a outras pessoas. A imparcialidade é requisito de validade do processo e da própria jurisdição penal. Daí porque o vício de parcialidade é causa de nulidade absoluta e contamina todos os atos do magistrado desde o início do processo ou dos processos, quando se tratar de várias ações vinculadas à mesma hipótese investigativa ou, como é o caso da Lava Jato, mesma operação de investigação.

Não há sustentação jurídica válida para uma decisão em que Sérgio Moro, sendo declarado suspeito para todos os atos praticados, inclusive na fase pré-processual, no caso da Ação do Triplex, não o seja nas demais ações em que conduziu investigação e ações penais contra o ex-presidente Lula. Pouco importa que no caso da ação referente ao Sítio de Atibaia a sentença tenha sido assinada pela juíza Gabriela Hardt, se todos os atos anteriores estejam maculados e nulos pela ação do juiz suspeito.

A defesa do ex-presidente Lula já formulou o pedido de extensão.
Sobre a questão da incompetência, os fundamentos postos pelo próprio ministro Edson Fachin são suficientes para manter, no mérito, a decisão de que não cabia à 13ª Vara Federal o julgamento de casos que não se relacionassem diretamente à Petrobras.

Havendo, contudo, que ser necessariamente ressalvada a hipótese de extinção do HC 164.493, que trata da suspeição, em virtude da decisão de mérito já ocorrida na Segunda Turma.

Nesse tema, na linha das possibilidades jurídicas criativas – na ausência de um termo melhor – se a intenção do ministro Edson Fachin permanece a mesma exposta nos dias 08 e 09 de março, em que tentou interditar o debate sobre a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro, não existem motivos para que mude seu voto. Ao oposto ele tentará, com a aprovação na íntegra da decisão, invalidar a decisão da Segunda Turma.

Nesse ponto, é importante aclarar que não existe hierarquia entre o colegiado do Plenário e das Turmas do STF. A competência de ambos é prevista nos artigos 5º ao 11 do Regimento Interno do Tribunal. O Plenário não é uma instância de recurso das decisões das duas turmas, como se possa supor, elas são soberanas em suas decisões. Donde se conclui que o julgamento findo na Segunda Turma sobre a suspeição de Sérgio Moro não pode ser revisto pelo Plenário, muito menos ser extinto em ação distinta daquela. A só hipótese da possibilidade geraria infindáveis debates e causaria uma hecatombe no funcionamento organizacional do Tribunal.

Aliás, qualquer desenlace dos que se aventa nesse caso fora dos parâmetros regimentais e legais navega no turbilhão de insensatez, com capacidade de causar inseguranças jurídicas perenes, que cobrarão seu preço adiante.

Por fim e em conclusão, o Supremo Tribunal Federal precisa consumar os dois julgamentos, enterrar esse defunto chamado Lava Jato que já começa a exalar odores indesejáveis dentro e fora do Sistema de Justiça, até para os que antes se dispunham a usar tampões, máscaras e borrifar aromatizantes para amenizar. Encerrar esse capítulo triste e trágico do processo penal brasileiro, solapado pela idiotia de um ardiloso maniqueísmo de falsos heróis que subverteram, além de normas, o próprio espírito e ideal de Justiça.

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