André Carvalhal

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Escritor e especialista em design para sustentabilidade.

Opinião

O que será das marcas e dos influenciadores digitais agora?

Se você está percebendo que o que você faz ou fala não tem relevância neste momento, é porque talvez nunca tenha tido relevância mesmo

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Marcas e influenciadores têm algo a mais com o que se preocupar além do vírus e da crise. “O que vamos falar agora?”, deve ser a pergunta que assombra as reuniões entre profissionais de marketing e agências de publicidade via zoom, além da cabeça de algumas personalidades ou criadores de conteúdo.

A gente já sabia que na maior parte do tempo, as imagens veiculadas em anúncios e campanhas eram falsas ou altamente idealizadas. Assim como a vida de muitos influenciadores digitais, quase sempre manipuladas e photoshopadas. Mas muitos de nós seguíamos lá, nos deixando levar.

A verdade é que não estamos vendo nada de novo sobre a humanidade que ainda não estivesse escancarado. Comunicações e conteúdos opressores, banalidades e gestos egoístas já circulavam bastante por aí. O que talvez possa ter mudado agora é a disposição de continuar.

E eu estou dizendo tudo isso, pois algumas pessoas e marcas têm me procurado dizendo que não se sentem confortáveis de comunicar seus produtos e até mesmo promoções neste momento. A minha resposta para todos é: se você está percebendo que o que você faz ou fala não tem relevância neste momento, é porque talvez nunca tenha tido relevância mesmo. O vírus só fez você se tocar.

É duro, mas o momento não é fácil para ninguém. O marketing deveria ter o papel de entender e atender a necessidade de um determinado tipo de público. Na contramão, se tornou algo extremamente egoísta, sempre interessado em vender um peixe. Marcas deveriam promover conversas acerca de seus produtos, para identificar necessidades de mudanças, mas poucas estão dispostas a algo além do unilateral. “Influenciadores” deveriam trazer boas influências, mas…

Bom senso deveria ser algo intrínseco a profissionais de comunicação e criadores de conteúdo, mas não é isso o que vemos. Enquanto muitas pessoas estão morrendo ou não sabem como vão pagar o aluguel vemos selfies na piscina, no barco e no iate. House parties com roupas de luxo regadas a muita bebida e comida entregues por motoboys que se arriscam trabalhando em situação precária de prevenção e lives (algumas com objetivo beneficente) patrocinadas por grandes marcas, pedindo para as pessoas ficarem em casa, enquanto expõem a equipe de produção a riscos.

Publicidade pandêmica

“Estamos todos juntos” é uma das mensagens que mais circulam nas comunicações por aí. Sim, estamos mesmo, “a diferença é que muitas vezes estamos tentando sobreviver, enquanto você só está querendo vender seu produto”, dá vontade de responder.

O suporte emocional é uma das mais perversas ferramentas de marketing. E pode ser percebido em marcas de bebidas que estão fazendo festas virtuais, para entreter as pessoas – enquanto estimulam a venda de álcool para passar este momento.

Isso é o que tem acontecido com diversas marcas que usavam festas, shows e eventos esportivos, e que se viram paralisadas, sem ter onde botar dinheiro de mídia, com o início do isolamento social.

Mas antes de migrar a verba para o digital, é importante avaliar o quanto pode soar oportunismo (e o quanto muitas vezes é mesmo). E mais, é importante avaliar o que de fato se está fazendo para apoiar as pessoas de forma relevante.

Tenho fé de que quanto mais tempo o isolamento continuar, mais difícil será para as grandes marcas se apoiarem nesse tipo de publicidade sem adicionar alguma ação na vida real. Muitas pessoas estão com tempo de sobra para perceber isso.

Propaganda filantrópica

Ok, tem gente e marca fazendo alguma coisa, doando dinheiro, comida ou produzindo EPIs. E aqui é onde o limite é mais tênue entre estar ajudando e usar a verba que era de marketing e não tem mais como ser usada em marketing – pela falta de ações e eventos – para se tornar marketing da boa ação.

É claro que toda ajuda é bem-vinda. Minha intenção não é pedir que ninguém pare de ajudar. Mas que tal ser sincero e honesto neste ponto? Temos visto a competição de audiência com shows transmitidos ao vivo. Tenho notícias de leilões de orçamento para quem veste as celebridades nas lives e por aí vai.

Dá um nó na minha cabeça ver marcas usando verba para apoiar eventos beneficentes com potencial de arrecadar menos verba do que o dinheiro investido no patrocínio. É quando percebemos quem está disposto a doar e quem está disposto a promover a marca.

Falsa transparência

Muitas marcas estão aproveitando o momento para comunicar como estão funcionando. Horários, turnos, e-commerce… tudo para que as pessoas não deixem de as encontrar. No início, a Adidas declarou que estava mantendo suas lojas abertas, depois se arrependeu e voltou atrás. Achei interessante. De um jeito ou de outro, se tocou.

Pior foi o McDonalds, que comunica no site que um dos seus valores  é “investir em todas as pessoas”, enquanto um gerente de uma de suas lojas (em Kansas City, Missouri) fez um vídeo questionando por que uma empresa que faturou 5,3 bilhões de dólares no ano passado não pode garantir licença-médica paga a todos os seus funcionários.

Outra que usou um anúncio emocional para elogiar seus mais de 1 milhão de “heróis” que trabalham na empresa por seus esforços para ajudar a servir os clientes foi a Walmart, e depois um de seus funcionários foi até o jornal New York Times se queixar sobre como se estava usando a política de licença remunerada.

Momentos de crise são também grandes oportunidades de expansão da consciência. Por isso eu não perco as esperanças. No meu livro “A Moda Imita a Vida”, falei sobre o quanto as marcas se parecem como seres humanos, sobre o quanto são organismos vivos. Então, se como humanidade estamos tendo a chance de rever nossos valores e evoluir, talvez as marcas tenham essa chance também.

Apesar de vermos algumas pessoas e marcas se atrapalhando – e não podemos deixar de pontuar que nem sempre é de forma intencional, algumas estão realmente dispostas a aprender –, vi algo bonito acontecer. O “Fique em Casa” era o apelo no início da quarentena, sem nos darmos conta do quão opressor era o pedido, pois infelizmente direitos e deveres não são iguais para todos.

Nossos papéis sociais são organizados com base em relações de privilégio e o coronavírus só tem reforçado isso. A nova noção é: se eu posso, eu fico em casa, para que aqueles que não podem, transitem com menos risco. E temos visto algumas pessoas mudando seus discursos para “Fique em casa, se puder.” Da mesma forma, torço para que algumas marcas também revejam seus tons e discursos.

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