Lígia Batista

Diretora do Instituto Marielle Franco, é formada em Direito e mestranda em Políticas Públicas e Direitos Humanos. Atua há 10 anos em organizações de direitos humanos, focando em justiça racial e de gênero. É fellow da Década Afro-descendente da ONU

Opinião

O que Marielle deixou de viver nesses 6 anos

Nós, que nos inspiramos em você, sentimos a sua perda de várias formas – mas seguimos firmes e fortes dando continuidade à luta, lado a lado com a sua família

A ex-vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco (PSOL). Foto: Divulgação
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No próximo dia 14 de março serão seis anos sem você com a gente na luta, Mari. Seis anos desse crime cruel cometido em uma das maiores cidades do Brasil e da América Latina, laboratório de políticas de segurança pública que historicamente colocam em xeque a vida da população preta e favelada, no marco daquela fatídica intervenção federal-militar na segurança pública do Rio. Como pode? Ainda assim, esse assassinato – fratura exposta da nossa democracia inconclusa – fez germinar tantas sementes de luta por justiça pelo Brasil e pelo mundo.

Nesses seis anos, muita coisa aconteceu por aqui, Mari. Passamos por momentos difíceis, em que forças ultra conservadoras se fortaleceram ainda mais no poder a partir da eleição de Bolsonaro à presidência, alavancadas por uma onda de fake news e discursos de ódio que aprofundaram a polarização política da sociedade, com incentivos à violência e à desinformação – inclusive sobre você, sobre sua vida, suas ideias e sua atuação.

Foram tempos sombrios de desmontes de políticas sociais e pastas importantes. Tempos de descaso com uma pandemia que assombrou o Brasil e fez com que o nosso povo fosse abandonado para morrer de tiro, de fome ou de COVID-19. Tempos em que o acesso a armas e munições foi facilitado, admitindo a terceirização de uma responsabilidade que deveria ser do Estado em garantir vida digna e livre de violência para todo mundo. Tempos de sucateamento do programa de proteção a defensores de direitos humanos, tanto a nível nacional como dos estados, fragilizando ainda mais a luta de quem segue na linha de frente contra a intolerância religiosa, por igualdade de gênero e justiça racial, por direito à terra e território, pelo fim da violência policial. Tempos em que a violência política se acirrou contra mulheres, LGBTQIA+, população negra, de favela e periferia – mostrando que continua não sendo seguro para pessoas como nós travar disputas por transformação da cultura política desse país. Foram tempos em que com certeza caminhar ao seu lado para travar essas lutas teria feito muita diferença.

A construção de uma frente ampla para enfrentar o avanço da extrema -direita exigiu resiliência e perseverança. E o papel daquelas que lutaram a partir das margens do poder político e econômico, organizando verdadeiramente as bases, foi crucial para começarmos a virar o jogo. Nesse meio tempo, conquistamos mais direitos para ampliar a representatividade política de pessoas como você e vimos florescer a primavera das sementes de Marielle por todo o país. A partir do Instituto, lutamos por financiamento paritário e mais tempo de televisão para candidaturas negras no marco dos nossos processos eleitorais e criticamos a anistia dos partidos por descumprimento de regras de paridade de gênero e raça. Apresentamos uma agenda política de compromissos para candidaturas defensoras do seu legado e exigimos o fim da violência política de gênero e raça em todas as suas formas. Provocamos parlamentares em diversas partes do país a apresentarem projetos de lei inspirados nos seus. Defendemos sua memória com unhas e dentes, levando inspiração para as novas gerações.

Durante os últimos seis anos, nós – feministas antirracistas que nos inspiramos em você e acreditamos na construção de um mundo de bem-viver e dignidade – sentimos a sua perda de várias formas. Mas apesar dessa dor de perdê-la, seguimos firmes e fortes dando continuidade à luta por justiça e no enfrentamento às desigualdade de gênero, raça e classe, lado a lado com a sua família. Seguimos na luta por você e por todas aquelas pessoas que tiveram suas vidas interrompidas por serem quem são e por lutarem contra o patriarcado, o racismo e o poder das elites sociais, econômicas e políticas.

A chegada de um novo governo no ano passado nutriu nossa esperança de um novo horizonte de possibilidades, ainda que sigamos enfrentando muitos desafios. Nesse sentido, seguimos confiantes na disputa pela retomada de um projeto de democracia real a partir das bases. Por aqui, o Instituto Marielle Franco segue lutando para dar continuidade ao seu projeto de “florir e colorir a Primavera das Mulheres” por onde passamos, pela construção de uma democracia feminista e verdadeiramente inclusiva, como você defendia.

MulheRaça, Presente!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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