Josué Medeiros

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Cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB)

Opinião

O que aguarda os democratas após o julgamento de Bolsonaro

Ainda que a condenação e a prisão sejam esperadas, a batalha contra a ultradireita está longe de acabar

O que aguarda os democratas após o julgamento de Bolsonaro
O que aguarda os democratas após o julgamento de Bolsonaro
Jair Bolsonaro em ato em São Paulo, em 29 de junho de 2025. Foto: Miguel Schincariol/AFP
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Setembro de 2025 já se inscreve na história como um divisor de águas da política brasileira. O Supremo Tribunal Federal inicia o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos demais líderes da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. Para setores liberais e defensores da chamada “terceira via”, a cena soa como a debacle do bolsonarismo: com a prisão da sua principal liderança, acreditam, a extrema-direita perderá fôlego eleitoral. É uma ilusão. Ainda que a condenação e a prisão de Bolsonaro sejam esperadas, a batalha contra a ultradireita está longe de acabar.

A primeira trincheira será a da legitimidade. O bolsonarismo já ensaia reforçar a narrativa de perseguição, apresentando Bolsonaro como vítima de um “sistema” autoritário que ataca não apenas ele, mas a liberdade em geral — uma retórica que encontra eco até na Casa Branca, onde Donald Trump segue alimentando discursos semelhantes. Contra esta mentira, é preciso reafirmar: o ex-capitão não será condenado por delações frágeis, mas por provas abundantes.

Elas são conhecidas. A minuta de decreto golpista que determinava a anulação das eleições de 2022 e a prisão de ministros do STF. O plano para assassinar Lula, Alckmin e Moraes. As mensagens em massa no WhatsApp organizando acampamentos em frente a quartéis. O próprio 8 de janeiro. E, antes de tudo isso, anos de ataques ao sistema eleitoral, desde pelo menos 2020, martelando contra as urnas e contra a vitória de Lula em 2022.

Mas a disputa não se encerra no campo probatório. O bolsonarismo está mobilizado pela anistia do ex-presidente, e não faltam articulações nesse sentido. Eduardo Bolsonaro, em sua cruzada lesa-pátria nos EUA, encarna a face mais ruidosa dessa campanha. Mas a principal ofensiva ocorre em Brasília: chantagem legislativa contra qualquer pauta de interesse público, conduzida pela bancada bolsonarista e facilitada pela fragilidade do presidente da Câmara, Hugo Motta.

Há, contudo, uma versão mais ‘limpinha’ desse projeto: o indulto a Bolsonaro, oferecido pelo próximo presidente eleito. O arranjo pressupõe um pacto: em troca da promessa de perdão, Bolsonaro apoiaria como sucessor não um filho ou Michelle, mas alguém do “sistema”, de preferência o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

Tarcísio é hoje a aposta da direita tradicional e do mercado financeiro para comandar uma frente neoliberal contra Lula — e contra a própria democracia. A lógica é pragmática: afastar Bolsonaro da disputa, em razão de sua rejeição crescente, sem perder os votos e a energia política que ele arrasta. O indulto torna-se, assim, moeda de troca para convencer o ex-presidente a ungir o governador paulista.

Essa estratégia já encontrou respaldo em declarações públicas de Tarcísio, que não hesita em atacar o STF e corroer a democracia brasileira. Foi o que fez, por exemplo, no episódio do tarifaço, quando preferiu alinhar-se a Donald Trump em detrimento dos interesses nacionais. Apesar disso, a grande mídia evita chamá-lo pelo nome que lhe cabe: um bolsonarista de carteirinha, sem compromisso com instituições, soberania ou democracia.

É fundamental denunciar o indulto como mais um ataque fascista ao regime democrático — e nomear seus defensores: Tarcísio, Romeu Zema, Ronaldo Caiado e tantos outros governadores que vestem a máscara da normalidade para avançar a mesma agenda autoritária.

O próprio Bolsonaro, no entanto, ainda não parece convencido do pacto. Ele e sua família conhecem bem o padrão da elite econômica: descartar aliados assim que deixam de servir. É justamente a força eleitoral do ex-presidente que sustenta hoje a campanha pela anistia. Sem seu nome nas urnas de 2026, esse capital se esvai. Eduardo Bolsonaro vocaliza essa visão mais “radical”, mas seus irmãos Flávio e Carlos também a reforçam em diferentes frentes.

O bolsonarismo, por sinal, já demonstrou várias vezes não aceitar pacificamente arranjos que diluam seu protagonismo. O fenômeno Pablo Marçal em São Paulo, em 2024, foi expressão dessa rebeldia antissistema. Mais que voto em empreendedorismo – como parte da crônica política tentou enquadrar o ‘marçalismo’ – foi recusa à costura entre Bolsonaro e a direita tradicional.

Se Tarcísio conseguir de fato herdar o espólio de Bolsonaro, ainda assim terá de encarar a emergência de algum “outsider” da extrema-direita — mesmo que Marçal siga inelegível. Será uma candidatura possivelmente mais perigosa que a do ex-coach, justamente porque terá aprendido com os erros cometidos na disputa pela maior cidade do país.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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