Guilherme Boulos

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Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Foi candidato à Presidência da República em 2018, pelo PSOL.

Opinião

Por que o PSOL caminha para apoiar Lula

Acordos partidários pautados exclusivamente pelo pragmatismo eleitoreiro despolitizam o debate público

Guilherme Boulos e Lula. Foto: Reprodução/Redes Sociais
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As alianças políticas no Brasil são, na maioria das vezes, um mero jogo de conveniências eleitorais. Os partidos acomodam seus interesses, fazem o cálculo dos palanques regionais e do potencial de eleição de seus parlamentares. Pronto, está definida uma aliança, sem muita consideração daquilo que deveria ser o centro do debate político: o projeto de país que cada candidatura representa.

Obviamente, esse jogo é legítimo e não cabem demonizações morais. É natural que os partidos negociem espaços e prezem por seus interesses, como forma de fazer avançar o programa que defendem. Mas as alianças pautadas essencialmente por um pragmatismo eleitoreiro despolitizam o debate. O maior sintoma disso é a dificuldade de reconhecer qualquer identidade ideológica na maioria dos partidos brasileiros – o pântano do Centrão – que costumam fazer parte do governo, qualquer que seja ele.

Nesse sentido, é digna de nota a negociação que o PSOL decidiu abrir nas últimas semanas com a candidatura de Lula. Mesmo tendo suas diferenças internas, como, aliás, todos os demais partidos, o PSOL caminha para apoiar Lula nas eleições presidenciais, entendendo a importância da unidade contra Bolsonaro e enxergando no ex-presidente aquele que tem melhores condições para liderar essa frente. E a forma como o partido colocou o debate na mesa com o PT não foi propondo contrapartidas em palanques regionais – o que, reitero, seria legítimo –, mas apresentando pontos programáticos que considera fundamentais para a campanha de Lula.

O PSOL elaborou, juntamente com sua Fundação Lauro Campos/Marielle Franco, uma plataforma com 12 pontos para levar ao diálogo com os partidos que devem se reunir em torno de Lula. Desses pontos, três foram indicados como prioritários:

1. A revogação de reformas neoliberais realizadas a partir do golpe de 2016, com destaque para o Teto de Gastos, a ser substituído por uma nova regra fiscal com viés mais expansionista, e a Reforma Trabalhista, anulando seus pontos de retirada de direitos e incluindo regulamentações essenciais, como a do trabalho uberizado e do home office. Essas medidas são imprescindíveis para a recuperação da capacidade de investimento do Estado e para o combate à precarização do trabalho.

2. Uma Reforma Tributária progressiva que paute a taxação dos super-ricos por mecanismos como o Imposto de Grandes Fortunas, Lucros e Dividendos e Heranças, ao mesmo tempo que reduza progressivamente a tributação sobre o consumo e amplie as isenções para as faixas de renda mais baixas. Essa reforma é um dos principais instrumentos para o combate à desigualdade de renda e riquezas no País.

3. Uma agenda ambiental ousada, que tenha como referência um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil. Temos o potencial de, ao mesmo tempo que superamos a política de devastação ambiental bolsonarista, transformar-nos num exemplo internacional de transição para energias limpas e modais de transporte ferroviário e hidroviário, além de assumir o compromisso de desmatamento zero e redução das emissões de carbono de acordo com as metas do IPCC. Isso passa, evidentemente, pela demarcação das terras indígenas e combate ao uso intensivo de fertilizantes químicos na agricultura e à mineração predatória. Da atual condição de pária ambiental, o Brasil poderá assumir um lugar de vanguarda.

Estas contribuições do PSOL podem ajudar a definir um perfil mais combativo para a campanha e o plano de governo de Lula. Tivemos, no período recente, um exemplo de que uma aliança entre forças de esquerda e centro-esquerda pode pautar-se com sucesso por elementos programáticos. Foi a chamada Geringonça portuguesa, quando o Bloco de Esquerda e os comunistas garantiram a maioria ao Partido Socialista, no primeiro governo de António Costa. É claro que ali, num ­país parlamentarista, a aliança foi para dar sustentação a um governo, não a uma campanha. Mas o exemplo de um entendimento político com bases em acordos de programa deve servir de referência.

Espero que o PT se mostre aberto a este debate de ideias e, mesmo sendo o partido hegemônico do campo progressista no Brasil, tenha a disposição de incorporar os pontos propostos pelo PSOL. Seria uma forma de contrabalançar gestos ao centro que a campanha de Lula tem feito, como a proposta de Geraldo Alckmin para a Vice-Presidência. E seria, sobretudo, um bom sinal para a esquerda brasileira, quem sabe, estabelecer um marco de maior politização das alianças no nosso campo. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1198 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O que define uma aliança?”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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