Economia
O Prêmio Nobel de 2024
O poder da finança cairia bem nas incursões dos vencedores pelos labirintos do poder e do progresso


O Prêmio Nobel concedido a Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson consagrou o trabalho dos três economistas na identificação dos processos socioeconômicos que impulsionam o progresso das nações.
No livro Poder e Progresso: Nossa Luta de Mil Anos por Tecnologia e Prosperidade, Acemoglu e Johnson enfrentam as complexidades das relações entre progresso tecnológico e democracia.
“…As primeiras esperanças de democratização digital foram frustradas porque o mundo da tecnologia colocou seu esforço onde estão o dinheiro e o poder – com a censura do governo. É, portanto, um caminho específico – um caminho sorrateiro – escolhido pela comunidade de tecnologia que intensifica a coleta e a vigilância de dados.
Infelizmente, o caminho atual da mídia social alimentada por IA parece quase tão pernicioso para a democracia e os direitos humanos quanto a censura de cima para baixo na Internet. A parábola do clipe de papel é uma ferramenta favorita de cientistas da computação e filósofos para enfatizar os perigos que a IA superinteligente representará se seus objetivos não estiverem perfeitamente alinhados com os da humanidade.”
Acemoglu e Johnson adotam uma perspectiva institucionalista para observar as relações entre Poder e Progresso. Essa abordagem escapa dos determinismos da economia dominante e busca acolhida nas ações coletivas cujos resultados nem sempre correspondem às intenções.
As redes sociais, dizem eles, prometidas como o espaço do movimento livre de ideias e as opiniões, transformaram-se num calabouço policialesco em que a crítica é substituída pela vigilância. A vigilância exige convicções esféricas, maciças, impenetráveis, perfeitas. A vigilância deve adquirir aquela solidez própria da turba enfurecida, disposta ao linchamento. Não se trata de compreender o outro, mas de vigiá-lo.
As incursões dos autores nos labirintos do Poder e do Progresso trouxeram-me à memória o economista norte-americano Thornstein Veblen, um dos pioneiros da abordagem institucionalista. Para Veblen, perspectivas que se desenhavam nos albores da economia industrial moderna despertaram a esperança do aumento do tempo livre desfrutado de forma enriquecedora por indivíduos autônomos.
Essa utopia foi desmentida pela evolução real das sociedades industriais e pós-industriais (como querem alguns). Ao observar o nascimento do capitalismo da grande empresa e do consumo de massa, Thornstein Veblen desafiou a sabedoria econômica convencional com a publicação do livro A Teoria da Classe Ociosa. Nessa obra clássica, Veblen ironizou as piedosas justificativas do enriquecimento obtido pelo exercício das virtudes da frugalidade e da poupança e apontou a diferenciação do consumo das classes abastadas e sua imitação pelas subalternas como um fator decisivo para o “progresso” das modernas sociedades industriais.
“Com exceção”, diz ele, “do instinto de autopreservação, a propensão à concorrência é provavelmente o mais forte e persistente dos motivos econômicos. Numa comunidade industrial, isso se exprime na concorrência pecuniária, isto é, em alguma forma de consumo conspícuo. As tendências para o desperdício conspícuo estão, portanto, prontas a absorver qualquer aumento da eficiência ou aumento industrial da comunidade, depois de supridas as necessidades físicas mais elementares.”
John Commons acompanhou Thornstein Veblen. Ben Seligman, em seu monumental livro Main Currents in Modern Economic Thought, reconstrói as trajetórias de Commons e Veblen. Nas páginas de Institutional Economics, Commons desenvolve os conceitos de transação e de acordos sobre o futuro. Para tanto, a sociedade capitalista constrói espaços de ação coletiva, a busca de regras aceitáveis para o encaminhamento dos acordos.
Commons estabelece uma contradição entre os princípios da indústria e as regras que guiam os negócios. Os negócios são os negócios do dinheiro e das finanças. Há diferença entre a propriedade de um bem físico e os direitos sobre um valor monetário. As duas formas revelam características opostas do direito de propriedade. No caso dos bens físicos, há transferência concreta da propriedade. No caso dos valores financeiros, o intercâmbio não exige a transferência efetiva do bem, mas da propriedade incorpórea, dos direitos representados pelas dívidas monetárias.
Quando os mercados assumem a hegemonia econômica, começam a surgir os mercados especulativos e as formas monopolistas de propriedade na indústria e nas finanças.
Em 1927, John Maynard Keynes escreveu uma carta para Commons: “Parece não haver outro economista com o qual eu esteja em acordo mais genuíno”. •
Publicado na edição n° 1334 de CartaCapital, em 30 de outubro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O Prêmio Nobel de 2024’
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