Aldo Fornazieri

Doutor em Ciência Política pela USP. Foi Diretor Acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), onde é professor. Autor de 'Liderança e Poder'

Opinião

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O preço da governabilidade

Lula busca restabelecer o presidencialismo de coalizão, mas se vê diante da necessidade de repartir o poder com o Legislativo

Geraldo Alckmin e Lula. Foto: Evaristo Sá/AFP
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Coalizões governamentais são inerentes a quase todos os países com sistemas políticos multipartidários. Isto vale para o presidencialismo, para o parlamentarismo e para o semipresidencialismo. Quanto mais temperado ou restrito o número de partidos, mais estáveis, recorrentes e repetitivas tendem a ser as coalizões. Quanto mais destemperado ou alargado o número de partidos, mais instáveis, aleatórias e inconstantes tendem a ser as coalizões.

Em 1987, Sérgio Abranches publicou um artigo intitulado “Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro”. O debate em torno do conceito já tem uma longa história. Com os governos Temer e Bolsonaro, o conceito andou esquecido. Bolsonaro elegeu-se até mesmo contra a ideia do presidencialismo de ­coalizão. Mas, dada a inviabilidade de seu governo radical e isolacionista, e temendo um processo de impeachment, delegou aos partidos do chamado Centrão a organização e a gestão política da coalizão necessária para sustentar seu governo.

A gestão daquela coalizão governamental, além de cargos e ministérios, contou com uma novidade: o orçamento secreto, gerido pelos comandos da Câmara e do Senado. Assim, não foi um presidencialismo de coalizão típico, no qual o presidente é o gestor central do arranjo majoritário congressual. Bolsonaro desfez-se da gestão da coalizão para dedicar-se ao proselitismo político radical e golpista.

Lula chegou ao seu terceiro mandato com uma base frágil na Câmara, com apenas 136 deputados, e com um país conflagrado pela radicalização e com as tentativas golpistas. No seu todo, Câmara e Senado agregaram também perfis de legislaturas mais conservadoras. As votações congressuais ocorridas até agora, particularmente as votações na Câmara dos Deputados, proporcionaram uma série de solavancos, ameaças de derrota por parte do governo e alguns ultimatos emitidos por Arthur Lira. Tudo isso se somou à fragilidade da articulação política do governo e a alguns erros na montagem do ministério, como o recrutamento de ministros de partidos de Centro sem que tivessem capacidade de garantir votos.

Diante desse cenário, o presidente Lula tem duas alternativas: 1. Governar com uma base minoritária, articulando uma estratégia de formar maiorias circunstanciais em torno de algumas pautas. 2. Formar uma base sólida com a incorporação dos partidos do Centrão, restaurando o presidencialismo de coalização. A primeira alternativa sinaliza um caminho de crises e de instabilidades com desfechos imprevisíveis, principalmente considerando-se que os partidos de esquerda e os movimentos sociais têm baixa capacidade de mobilização. Então, nas últimas semanas o presidente Lula vem aplainando o terreno para restabelecer o presidencialismo de coalizão, ampliando os espaços dos partidos do Centrão no governo.

A tradicional concessão de ministérios e cargos agora vem acompanhada por nova exigência: a destinação de vultosos recursos em emendas parlamentares. Se nas coalizões anteriores de FHC, Lula e Dilma as emendas eram subsidiárias, agora exercem um papel importante.

Uma segunda característica da nova faceta do presidencialismo de coalizão que está se configurando consiste em que o presidente da República não é mais o gestor pleno da coalizão. Ele terá de geri-la de forma mais ou menos compartilhada com Arthur Lira. O presidente da Câmara adquiriu poder por duas circunstâncias. A primeira deve-se ao fato de que a Câmara fortaleceu suas prerrogativas e seu poder sobre o orçamento, em razão de Bolsonaro ter renunciado ao papel de gestor da coalização que lhe deu sustentação. A segunda, pela capacidade que Lira demonstrou de constituir poder próprio ao liderar um amplo leque de deputados que o sufragaram de forma avassaladora para a presidência da Casa.

Dessa forma, o presidencialismo de coalizão que está se configurando expressa uma espécie de coalizão entre o Executivo e o Legislativo. Isto indica que a gestão da governabilidade terá de ser mais negociada. Não se trata mais apenas de uma relação na qual o governo define a pauta e a base vota. Trata-se de uma relação que funcionará na base de uma permanente negociação entre as partes.

Subsidiariamente à coalizão entre Executivo e Legislativo, parece haver algum nível informal de uma coalizão entre Executivo e Judiciário. Essa coalizão decorre de objetivos comuns: a necessidade de derrotar o golpismo e o bolsonarismo, de fortalecer a democracia, de evitar novas crises políticas graves e de garantir condições de governabilidade ao governo. Na medida em que o Judiciário saiu fortalecido do enfrentamento ao golpismo, ele continuará a desempenhar um papel político relevante. •

Publicado na edição n° 1268 de CartaCapital, em 19 de julho de 2023.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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