Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

O ponto vermelho e outras estórias

Claro que não tem só um culpado pelo que estamos vivendo. São muitos que se juntaram a ele e caíram todos, uniformemente, do cavalo

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O culpado

Claro que não tem só um culpado pelo que estamos vivendo. São muitos que se juntaram a ele e caíram todos, uniformemente, do cavalo. O maior é, sem dúvida, o playboy mineiro que se viu, um dia, diante da faca e do queijo da Canastra. E se cortou. Chegou a receber um telefonema de cumprimentos pela vitória, minutos antes a realidade de uma ficha. Colocou a mão na cintura e foi conferir na televisão, a vitória, aquela vitória que não veio. Não era bem aquilo que lhe informaram, aquilo que estava esperando. Ao lado do incrível Huck, ele assistiu seu time perder, desabar para a segunda divisão, aos 45 minutos do segundo tempo. Perdeu por pouco, mas perdeu feio, sem a necessidade de VAR. O mineirinho ficou, então, tão transtornado que pensou com os botões do seu pijama: Isso não vai ficar assim. O vice, aquele que todos julgavam ser o Todo Feio, disse que não ia matar a presidenta vitoriosa, mas deixá-la sangrar, despedaçar. E as articulações começaram a ser feitas. O Brasil seguiu em frente, sem ver as curvas da estrada de Santos e caiu numa ribanceira, num buraco fundo, difícil de sair. Hoje, ele vive numa espécie de inferno particular, em silêncio, como um autêntico mineiro. Se alimenta todos os dias de derrotas e mágoas. Trinca os dentes e pensa com os botões do seu terno Armani: que cagada!

O ponto vermelho

Tem dias que a gente se sente um pequeno ponto vermelho em meio a trevas por todos os lados. Em cima, embaixo, do lado esquerdo do peito. Não vê saída, vê, ouve que tudo não vai dar em nada, senta, levanta. Seis meses debaixo da lona de um governo de extrema-direita, que carrega nas costas uma ideologia burra e antiquada. Faz greve, uns vão, outros não vão. Liga no JN, desliga, promete nunca mais ver e segue. Tem dias que a gente se sente como um porquinho-da-índia procurando a casinha premiada como se estivéssemos numa quermesse junina em Conceição do Mato Dentro. Coloca na vitrola quase que a discografia completa de Chico. O que será que será, Vai Passar, Chame o Ladrão!, Cálice, e dá stop em Vai Passar. Sai de Chico, entra em Gil. Andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá.

A velhinha de Taubaté

Quem a julgava morta, ledo engano. Ela está viva, guarda no armário uma camisa amarela da seleção e se excita toda quando entra nas redes sociais e lê Eu Vou. Ela foi em todas. No mesmo armário, numa caixa de sapatos, guarda uma selfie com o Frota e outro com a Joice. Acredita piamente no Jornal Nacional, em todas as fake news que recebeu no ano passado, e que o nosso presidente é mesmo um mito. Ri das suas trapalhadas, dos seus erros de português, das suas patadas, das suas grosserias. Acha que ele é povo. Mesmo quando diz na televisão que não entende nada disso aí, ela concorda com ele e diz “ninguém sabe tudo, eu, por exemplo, também não sei o que é déficit público”. A velhinha de Taubaté está se lixando pra essa discussão sobre usar ou não usar cadeirinha. O neto mais novo dela, que também é chamado de garoto, tem 42 anos. A velhinha de Taubaté não lê mais jornal de papel, prefere se esparramar no sofá e se deleitar com os zap zap que chegam a todo momento. Não sabe, não tem a menor noção do que é The Intercept Brasil. Ela acredita até mesmo que sua aposentadoria vai ser justa e que a revista Veja virou comunista.

O manifestante

Já segurou todo tipo de placa. Fora Dilma e leve o PT junto. Vai pra Cuba. Vai pra Venezuela. Somos milhões de Cunha. Somos todos Moro. Intervenção Militar já! É aquele cara que vestiu uma camisa amarela e saiu por aí. Postou no Face aqueles famosos Eu Vou! e trocou suas fotos no avatar várias vezes. Já foi Aécio, já foi Cunha, já foi Moro, já foi Bozo. O segurador de placas tinha a revista Veja como Bíblia, vivia citando trechos de artigos fake e postando capas de Lula desmanchando, derretendo. Era assinante e agora está esperando apenas a assinatura acabar. Costuma nem tirar mais a revista do plástico e quando o porteiro do seu prédio diz que a sua Veja chegou, ele responde ‘depois eu pego’. O segurador de placas gastou muita caneta Pilot e muitas folhas de cartolina para escrever seus protestos. Suas fotos em manifestações ao lado de Frota, de Joice e de Kim foram compartilhadas entre amigos, o que o deixou feliz da vida. O carregador de placas está esperando uma nova palavra de ordem, vinda quiçá da Globo, seja qual for. Esperando, esperando, esperando, como se fosse um Pedro Pedreiro dos novos tempos.

Os desvalidos

O nome da cidade não importa. Pode ser Anta Gorda, no Rio Grande do Sul, Sombrio, em Santa Catarina, Combinado, em Tocantins, Ressaquinha, em Minas Gerais ou Nova Iorque, no Maranhão. Triste é ver o posto de saúde sem um cubano de jaleco branco, sentado na sua surrada escrivaninha de madeira, conversando com os seus pacientes, o povo do lugar. Agora resta apenas uma mesa vazia, alguns frascos de vacinas vencidas num canto, um rolo de gaze quase no fim, um vidro de álcool misturado com água, um cheiro de acetona no ar. Onde havia conversa, há silêncio, onde havia vida, há risco. Um médico contou que ganhou uma galinha viva como recompensa por ser sido salvo de uma picada de escorpião, na porta do Bar e Lanches do Pereira. Outro ganhou seis ovos caipiras e um terceiro, um bode pronto pro abate. Depois que os cubanos foram embora, o posto de saúde existe apenas no nome. Alguns desavisados ainda chegam aqui para ser consultados e voltam pra casa sem perder a esperança de ver, um dia, a estrela voltar a brilhar no céu.

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