Henry Bugalho

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Henry Bugalho é curitibano, formado em Filosofia pela UFPR e especialista em Literatura e História. Com um estilo de vida nômade, já morou em Nova York, Buenos Aires, Perúgia, Madri, Lisboa, Manchester e Alicante. Por dois anos, viajou com sua família e cachorrinha pela Europa, morando cada mês numa cidade diferente. Autor de romances, contos, novelas, guias de viagem e um livro de fotografia. Foi editor da Revista SAMIZDAT, que, ao longo de seus 10 anos, revelou grandes talentos literários brasileiros. Desde 2015 apresenta um canal no Youtube, no qual fala de Filosofia, Literatura, Política e assuntos contemporâneos.

Opinião

O perigoso jogo de Bolsonaro e um futuro que aponta para o retrocesso

O atraso que este governo tem significado é muito maior do que um retorno a práticas políticas condenáveis do passado

Jair Bolsonaro
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Nestes últimos dias, pesquisas de popularidade do governo e da figura do presidente Bolsonaro foram publicadas. Os resultados coincidem com a percepção que muitos de nós pressentimos: Bolsonaro vem desidratando, dia após dia.

Em condições normais, com um governo normal encabeçado por um governante normal, este resultado indicaria o momento de redefinição estratégica, de mudança de rumos.

“Onde estamos errando e como consertar?”, indagaria qualquer governante minimamente razoável.

Mas esta não é a resposta que obtivemos de Bolsonaro, alguém que está muito distante de qualquer normalidade. A contestação oficial é que as pesquisas não indicam nada, que não têm credibilidade e, nas profundezas destas afirmações, sempre reside algum tipo de teoria conspiratória, do tipo “tudo que há é um complô entre a mídia e a oposição, ambas comunistas, para derrubar o presidente”.

A psiquê humana é fascinante. Por certo que não é apenas Bolsonaro que tem como reação automática atribuir seus fracassos aos outros e os sucessos a si mesmo. “Se deu errado, é porque estão agindo contra mim (ONGs, militantes, a ‘extrema-imprensa’, o presidente da França, etc.), se melhorou, é por minha causa.”

Isto revela outra faceta, que na verdade sempre esteve integrada à retórica altamente ideologizada do Bolsonaro. Há algo que ele compreendeu ainda enquanto deputado: não era preciso agradar a todo o eleitorado, bastava dialogar com a parcela que poderia mantê-lo na política. Para o assombro do mundo e malgrado nosso, ele descobriu que na presidência não é tão diferente assim.

O discurso bolsonarista visa dialogar apenas e simplesmente com suas bases radicais. Bolsonaro não precisa falar com o eleitor comum, aquele que não integra nenhuma posição partidária rígida e vota de acordo com a direção dos ventos, cada vez mais manipulados.

Muitos que votaram em Bolsonaro estavam mesmo preocupados era em fugir do PT, em evitar que este partido retornasse ao poder, e não compactuando com as ideias excêntricas – isto para não dizer criminosas, antiéticas, antiestéticas e antidemocráticas – do candidato.

O antipetismo surgiu como força carregada com profundo apelo emocional e insuflado pelo medo e pelo ódio a um partido – que, no imaginário do brasileiro, passou a enfeixar os piores atributos imagináveis e a sustentar sobre seus ombros o peso de todos os males do Brasil. Foi muito maior do que a racionalidade. Inclusive, talvez este seja um dos maiores equívocos dos progressistas e de outras alas da esquerda: acreditar que os eleitores tomam decisões conscientes, refletidas e esclarecidas na hora de selecionar seu candidato. E é por isto que ainda há uma enorme dificuldade para estes grupos compreenderem a ascensão de Bolsonaro, um sujeito que representa o ápice da irracionalidade e que simbolizou a revolta e a insatisfação dos eleitores. “Pior do que está não fica”, diziam, embora esta frase apenas reitere um tremendo equívoco, já que em tese tudo sempre pode piorar.

E o retrocesso que este governo tem significado é muito maior do que um retorno a práticas políticas condenáveis do passado, como o flerte com a ditadura, repressão e autoritarismo. É, antes e acima de tudo, um retrocesso moral e intelectual, quando valores civilizatórios básicos de respeito e aceitação do outro são abandonados em prol de uma mentalidade tribal e excludente. “Quem está contra mim deve ser silenciado ou eliminado.”

Seria um erro atribuir a crescente rejeição dos eleitores ao Bolsonaro a uma tomada de consciência destes retrocessos, simplesmente porque não é. Muito do que Bolsonaro diz e faz hoje, ele já fazia e dizia durante a campanha eleitoral ou ao longo de suas quase três décadas como parlamentar. Bolsonaro jamais tentou se vender como aquilo que ele não era, pelo menos esse mérito ele merece ver reconhecido por nós. Todos sabiam o que estavam comprando.

A rejeição ocorre justamente porque, uma vez no poder, tudo que ele diz e faz toma proporções continentais e internacionais e isto tem o potencial de tornar o Brasil num pária, isolando o país diplomaticamente e consolidando a percepção de que um rei louco está ao leme da maior nação latino-americana.

A rixa entre Macron e Bolsonaro, por exemplo, mais do que uma disputa sobre a devastação da Amazônia, foi uma hábil jogada do presidente francês para se posicionar como um dos líderes dos países democráticos livres, unindo atrás de si outros países que estão no limiar de uma queda para a extrema-direita. Ao se opor a Bolsonaro, Macron está, na verdade, mandando uma clara mensagem para líderes populistas, como Trump, Orbán, Boris Johnson agora no Reino Unido, Salvini… de que ainda haverá quem lute pelas agonizantes democracias liberais ocidentais, já que a social-democracia ficou num passado dourado.

Talvez seja um ato de arrogância de Macron atribuir-se tal liderança, mas ela tem servido a dois propósitos: acentuar para o mundo a aberração deste governo bolsonarista e revisitar alguns dos valores históricos da França revolucionária que, insuflados por pensadores iluministas, serviriam de inspiração para as instituições e práticas democráticas que hoje estão ameaçadas e às quais nos agarramos como náufragos num oceano de obscurantismo.

A França, aquele mesmo país que transmitiu ao mundo seu espírito revolucionário contra déspotas e tiranos, será mais uma vez um exemplo para as democracias em perigo? Ou o futuro será mesmo o retrocesso, o autoritarismo e a irracionalidade?

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