Afonsinho

Médico e ex-jogador de futebol brasileiro

Opinião

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O passeio do Atlético

A vitória do time mineiro no Brasileirão chama atenção para uma questão cada vez mais premente no futebol: ser ou não ser empresa

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Vamos nos aproximando do fim do ano e do calendário esportivo, que, apesar das novas ameaças pandêmicas, vai fechar no prazo previsto – algo que não foi possível na temporada anterior. As disputas vão chegando ao fim trazendo alegria para os campeões e classificados, além de preocupação para os que não conseguirem se livrar das últimas posições. A perspectiva das festas de fim de ano vai servir de alento, tempo de refazer.

Entre os motivos para a alegria está a Seleção Brasileira feminina, que conquistou, na semana passada, o Torneio Internacional de Futebol Feminino, com vitória por 2 a 0 diante do Chile, na Arena da Amazônia. O ponto alto da conquista foi a homenagem a Miraildes Maciel Mota, a Formiga, em sua despedida. A grande jogadora é um marco na evolução do futebol feminino no Brasil. Formiga, com a exuberância da sua vitalidade, é o fulcro das gerações que vieram construindo a história do nosso futebol feminino.

No futebol masculino, depois da vitória do Palmeiras na Libertadores, chegou a vez da consagração do Clube Atlético Mineiro no Campeonato Brasileiro. O Galo passeou durante todo o campeonato e ganhou como quis a principal disputa em nosso território, dentro deste calendário insano em que é preciso mirar uma competição e deixar o resto para depois.

Tal situação gera fatos espantosos. O Athletico-PR, que ganhou, em novembro, a Copa Sul-Americana, teve de lutar bastante para fugir das últimas colocações no Brasileirão. O Palmeiras, por sua vez, é o maioral da América do Sul, mas não do Brasil.

Algumas curiosidades cercaram a conquista do Atlético Mineiro, o Alvinegro das alterosas. O time teve algumas estrelas, como Diego Costa, Keno e Hulk – artilheiro do campeonato –, mas todo o resto do elenco foi trabalhando “mineiramente”, sem alarde.

Outro fato interessante é a propalada colaboração do grupo dos “Quatro Erres”, formado pelos empresários Renato Salvador (Materdei), Ricardo Guimarães (Banco BMG), Rafael Menin e Rubens Menin (ambos da MRV). Os quatro mecenas aguentaram o tranco das despesas do custo elevadíssimo para montar um time e ser campeão. O time contou, além deles, com o prefeito de Belo Horizonte.

Isso chama atenção porque vai ao encontro da principal discussão sobre os destinos do futebol brasileiro: ser ou não ser empresa? Até quando será possível resistir e ser campeão contando com mecenas?

O assunto remete, inevitavelmente, ao caso dos xeques árabes, ou magnatas de outras procedências, que compram os times mais caros na Inglaterra. Atualmente, tanto governos monárquicos quanto fundos criados por investidores, muitos deles norte-americanos, têm times mundo afora. Os times Red Bull e outros bancados por empresários parecem estufas de granja a aquecer os pintinhos.

No Brasil, estamos no meio do caminho desse processo. Palmeiras e Flamengo escolheram seus caminhos agora. Vasco e Botafogo estão perto de fazer suas opções. Enquanto não se muda o sistema geral, aqueles que não se adaptam a ele vão, de alguma maneira, se enfraquecendo. Alguns podem até desaparecer. Ao mesmo tempo, não podemos nos esquecer das várias tentativas marotas de terceirização, que acabaram dando com os burros n’água.

Existe alguma forma de garantir a preservação da instituição ao final dos contratos com os investidores? Difícil. Por outro lado, é um escárnio continuarmos no mesmo universo restrito de dirigentes manipulando um dos maiores negócios da sociedade atual com a fachada de “entidade sem fins lucrativos”.

A situação do Grêmio é a mais intrigante do momento. Como um dos clubes mais estáveis do futebol brasileiro vai do céu ao inferno do dia para a noite? Deve ter acontecido com o Grêmio aquilo que ocorreu com outros clubes: gastam-se valores irreais para conquistar títulos e, quando acaba o período de vitórias, ninguém quer segurar a “bucha de canhão” deixada para trás.

Outro clube bem-intencionado que se perdeu no trajeto foi o Bahia. O time agora se esforça para não ser rebaixado. Pior ainda é a situação de seu tradicional rival, o Vitória, que caiu ainda mais e foi, inacreditavelmente, parar na Série C.

No meio desse caldo confuso, ganhou, com todos os méritos, o Clube Atlético Mineiro.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1187 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE DEZEMBRO DE 2021.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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