Afonsinho

Médico e ex-jogador de futebol brasileiro

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O ódio pode ser vencido

No rescaldo do fracassado golpe de 8 de janeiro, dois amigos do interior de Mato Grosso, um lulista e outro bolsonarista, dão uma lição de civilidade

O ódio pode ser vencido
O ódio pode ser vencido
O ataque às sedes dos Três Poderes foi bem planejado. Mais de cem ônibus chegaram em Brasília horas antes da incursão. Todos unidos para a “festa da Selma”, código usado pelos extremistas em conversas no Telegram, para descrever o que seria o acontecimento mais espantoso em 62 anos de vida da capital brasileira - Imagem: Joedson Alves/Anadolu Agency/AFP, Scarlett Rocha/Agif/AFP, Carlos Alves Moura/STF e Rosinei Coutinho/STF
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No rescaldo dos acontecimentos funestos de 8 de janeiro, vai-se fazendo a faxina necessária, mas também auspiciosa, para o difícil futuro que nos aguarda. Vale a visita de uma comissão de pajés, padres, pais de santo, líderes de todas as religiões para desintoxicar o ambiente pesado. Depois da invasão do Palácio do Planalto, do Congresso e da Suprema Corte, em meio a alucinadas palavras de ordem, vemos uma enxurrada de lamentações ridículas daqueles que, na ausência de razão, agarram-se à mentira. Vale tudo, até responsabilizar o novo governo pela anulação de medidas eleitoreiras de Jair Bolsonaro, como a redução dos impostos sobre combustíveis, com o evidente objetivo de comprar o voto dos incautos.

Finalmente, os extremistas começam a ser presos e processados. O caminho é este mesmo, mas também é preciso responsabilizar os mentores e os financiadores do golpe fracassado, bem como os incitadores das redes sociais. Como esquecer os patéticos apelos feitos por aplicativos de mensagem? “Está sobrando ônibus e faltando patriotas”, dizia um dos mais exaltados. As autoridades devem ser cirúrgicas no afastamento definitivo dos vendilhões disfarçados de “patriotas”, notadamente os que se imiscuíram entre os militares. Essa malta é uma nódoa na história das Forças Armadas. Da mesma forma, é necessário alcançar os líderes empresariais. Atordoados por fantasmas totalitários, muitos cederam ao “canto da sereia” dos colonizadores. Estes também envergonham os legítimos empreendedores brasileiros, vários deles de tenacidade admirável.

Entendo ser este o alvo central a ser combatido, a estrutura colonialista a que estamos submetidos historicamente. De tempos em tempos, os agentes externos ameaçam a soberania nacional e não hesitam em buscar desestabilizar governos populares. Desse longo processo de ­depuração, quem sabe não conquistemos a nossa independência de fato? As dificuldades são gigantescas, é verdade. Mas tudo depende de nós. É preciso mobilizar a sociedade e lutar para o Brasil voltar a ter protagonismo no cenário mundial.

A união dos brasileiros é possível, como ensinam dois amigos do município mato-grossense de Guiratinga, a 334 quilômetros de Cuiabá. Após uma aposta eleitoral, o coveiro bolsonarista ­Jorge Macaúbas carregou o amigo lulista, o empresário Hélio Ribeiro, em um carrinho de mão pelas ruas da cidade. Logo as cenas viralizaram nas redes sociais. Em um período de ódio e intolerância política, a descontração e a maturidade da dupla amiga encantam.

“O mundo um dia vai ser melhor para todos, independentemente da política A ou B. As pessoas devem amar umas às outras, com Deus no coração, porque, senão, o mundo não vai ser bom para nossos filhos e netos”, filosofou Hélio, o vencedor da aposta, ao portal G1. A história é um bocado ecumênica, mas vale uma peça de teatro para a lição jamais ser esquecida.

De volta às novidades esportivas, destaco uma solução interessante e promissora. Como punição pelas brigas protagonizadas pela torcida do Coritiba no ano passado, a Justiça paranaense proibiu a entrada de homens nos estádios durante os jogos do clube. Resultado? Quase 9 mil mulheres e crianças comandaram a festa nas arquibancadas na partida entre o Coxa e o Aruko, válida pelo Campeonato Paranaense, no domingo 15.

A outra notícia é, porém, bem menos animadora: a classificação para uma vaga na Copa do Brasil entre o paulista ­Guarani e o catarinense Criciúma foi decidida por sorteio, quase um cara ou coroa, com a moedinha jogada para o alto. Foi decepcionante, frustrante mesmo. Eles estavam empatados no Ranking Nacional de Clubes, com a mesma pontuação. Na ausência de um critério de desempate, as direções dos dois times propuseram a marcação de um jogo decisivo, mas não foram atendidas. Lamentável.

Pior ainda foi a suspensão do Campeonato Mineiro por decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), até o julgamento de uma denúncia protocolada pelo Betim. O clube acusa o Ipatinga de falsificar as carteiras de trabalho dos atletas que disputaram a Série B do campeonato estadual no ano passado. O episódio me fez lembrar das agruras vividas no Torneio da Morte, quando cheguei para disputar o campeonato carioca pelo Madureira com o extraordinário e saudoso treinador ­Félix. Houve uma barbeiragem na elaboração da tabela da competição, problema resolvido com uma “cartolada”, que prometo contar a vocês qualquer dia desses. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1243 DE CARTACAPITAL, EM 25 DE JANEIRO DE 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O ódio pode ser vencido”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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