Magali Cunha

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Jornalista e doutora em Ciências da Comunicação. É pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER) e colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas. Escreve neste espaço às quartas-feiras.

Opinião

O Natal é época de Deus ao lado de todos

O Natal é um tempo urgente, uma oportunidade, para quem cultiva os valores daqueles que nasceram com Jesus naquele curral

O batismo de Jesus
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Durante todo este 2019, a vida pública do País foi acompanhada pelo lema do governo Jair Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de Todos”. Deixando de lado, por hora, a reflexão sobre a ilicitude de um lema com este conteúdo em um Estado laico, apego-me ao exato momento que vivemos nestes dias para afirmar o quanto o mote é incompatível com o Deus do Natal. Mais ainda, tenho o prazer de escrever o quanto esta data inspira pessoas de boa vontade, cristãs e não cristãs, para apregoarem justamente o contrário. 

O Natal, segundo a fé dos seus seguidores, é a memória do nascimento do neném Jesus, filho de Maria, criado por José, presença encarnada do Deus Criador entre os seres humanos. As narrativas da Bíblia nos afirmam que este neném tinha um nome simbólico, Emanuel (no hebraico: עמנואל) que significa “Deus conosco” (Isaías 7.14 e Mateus 1.23).

Deus Conosco é o termo mais preciso para dizer de Jesus e do Natal. As narrativas da vinda de Jesus, o Deus Encarnado, a Palavra feita Carne, ao mundo contam de uma chegada, de fato, “conosco”, “entre os seres humanos”, nas condições bastante adversas, vividas pela grande maioria. 

Jesus/Emanuel nasceu filho de um casal pobre, da periferia da Judéia (Nazaré, um Paraisópolis daquele tempo e lugar). O parto ocorreu em um contexto de deslocamento da cidade de origem. O motivo foi o censo forçado pelo Império Romano, ocupante da terra (como muita gente hoje é forçada a se deslocar para buscar emprego, atendimento de saúde). E não havia o mínimo de conforto e higiene (como sofrem hoje os moradores de ruas das nossas cidades). 

Jesus nasceu no local que restou à família: um curral, entre animais e odores nada agradáveis (“manjedoura”, como se sabe, é um termo que ameniza a crueza do episódio). Nenhum glamour. O neném, com toda a sua fragilidade e em meio à simplicidade da família e das condições do seu nascimento, torna-se portador de uma notícia inusitada: Deus se faz gente, habita entre os seres humanos, ao lado deles. E isto se faz por intermédio daquele bebezinho, dependente, fraco e sem conforto. Esta é a carteira de identidade de Deus. Representação concreta do amor incondicional desse Ser Divino pela humanidade, propagadora de humildade e despojamento, de paz e reconciliação, de misericórdia e compaixão, de inconformismo e indignação frente à exclusão e às injustiças sociais. 

Quando o neném nasceu, o país dele estava sob ocupação, a população pagava impostos altíssimos e a exploração de quem tirava vantagem de tudo isto (corrupção) era uma prática corrente. Neste contexto, o poder político-religioso apresentava um deus acima de todos, inacessível e controlador, que colocava fardos pesados sobre as pessoas, discriminando as que eram consideradas impuras e pecadoras e deveriam cumprir rígidos protocolos comportamentais e rituais para se verem livres dos estigmas religiosos. 

O Deus que vem ao mundo por meio de um neném frágil e dependente, entre os pobres e despojados, expõe aos seres humanos um outro sentido da vida e da fé. “Paz na terra às pessoas de boa vontade”, “Deus, o salvador, dispersa os soberbos e exalta os humildes”, “o mal não é o que entra mas sim o que sai da boca das pessoas”, “os últimos serão os primeiros”, “felizes os promotores da paz” – estes e outros tantos posicionamentos em torno de Jesus/Emanuel são caminhos de oposição, uma nova perspectiva na relação com o Deus Criador. 

As primeiras testemunhas do nascimento são trabalhadores rurais, os que declararam as boas notícias de que com aquele neném renascia o sonho da paz com justiça no mundo.

O Natal é o tempo de convite às pessoas que se identificam com esta história a assumirem a fé e a simpatia pelo Deus Emanuel, o Deus Conosco, entre nós, ao nosso lado – não um deus acima, distante, refém dos donos do poder político. 

Por isso, o Natal é um convite para se fazer o caminho contrário do oportunismo mercadológico das vendas de Natal, da instrumentalização política de Deus, do glamour ofuscante das luzes e de toda a arrogância religiosa que transforma o neném Jesus/Emanuel num ícone a ser consumido para justificar a exclusão e o conformismo frente às intensas formas de injustiça.

O Natal é um tempo urgente, uma oportunidade, para quem tem fé no menino Jesus que nasceu em Belém e também para quem não tem, e são pessoas de boa vontade, que cultivam os valores que nasceram com ele naquele curral. Oportunidade de teimosamente se colocar em oposição às formas de dominação e de exploração e tudo o que traz desânimo e desesperança, que insiste em nos fazer crer que não tem mais jeito. Tem jeito sim, pois Deis está conosco, ao nosso lado.

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