O mercado de trabalho como espelho da injustiça racial no Brasil

O seminário ‘Combate ao Racismo e Transformações no Mercado de Trabalho’, na FESPSP, busca combater este cenário

(Foto: Jordana Mercado)

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O mercado de trabalho é um termômetro importante de medição das desigualdades raciais no Brasil. Um olhar atento para as formas de inserção da população brasileira na atividade econômica, levando em conta fatores raciais e a qualidade dos vínculos laborais, evidencia a persistente segregação racial e a institucionalização da precariedade no mercado de trabalho.

Dados da PNADC, divulgados pelo IBGE, e dados fornecidos pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos denunciam a brutalidade que recai sob as costas da classe trabalhadora negra. Muito embora representem mais de 53 milhões da população ocupada dentro de um total de mais de 98 milhões, negros e negras seguem sobrerrepresentados nos trabalhos mais precários, recebendo os piores salários, com parca ou nenhuma proteção social, majoritariamente sem carteira assinada e sujeitos à frágil representação sindical.

Com a nova realidade política brasileira, tivemos um 2022 marcado pela desaceleração das taxas de desemprego, informalidade e desalento. Entretanto, por que a população negra continua a constituir 3,1 milhões de desalentados, 6,1 milhões de desempregados e 24 milhões de trabalhadores informais? Por que quase metade da força de trabalho negra ainda permanece em trabalhos desprotegidos e apenas uma fração insignificante ocupa cargos executivos? Por que as melhorias no mercado de trabalho não foram significativas para as trabalhadoras e trabalhadores negros?

Enquanto a exceção segue confirmando a regra histórica de omissões, apagamentos e desumanização, a precarização do trabalho brasileira segue escancarando seu perfil racializado e nos obrigando à movimentação social contínua.

Para combater esse cenário de desigualdade racial e laboral profunda, uma das iniciativas mais promissoras vem de Rafael Pinto, um dos fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU), e da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). Eles estão organizando o seminário “Combate ao Racismo e Transformações no Mercado de Trabalho”, em curso durante todo o mês de setembro.

O Seminário, que se divide em quatro mesas, coloca a questão racial e o mundo do trabalho na encruzilhada da luta antirracista e diversifica o debate ao trazer a classe trabalhadora, representada pelas Centrais Sindicais, pela Organização Internacional do Trabalho-OIT e pelo Ministério Público do Trabalho; os representantes dos governos federal, estadual e municipal; o Movimento Negro, representado pela Ocupação Cultural Jeholu e o Coletivo de Entidades Negras-CONEN e a comunidade acadêmica para discussão. Nomes como Valdirene de Assis (MPT-SP), Rosana Aparecida Silva (CUT), Renato Freitas (Dep. Estadual-PR), Francisco Silva (Força Sindical), Cleonice Souza (UGT), Douglas Martins (advogado), Maria Palmira (FESPSP), Hélio Rodrigues (Vereador-SP) dão corpo a esse evento que, além ser um canal de diálogo entre sociedade civil e poder público, é um caminho para efetivação de políticas públicas de combate ao racismo no trabalho. Maria Palmira, Diretora Acadêmica da FESPSP, explicou que “a ideia é promover o debate dentro da instituição de ensino, como locus privilegiado, para fazer com que o Estado pense políticas públicas para a questão racial”.


A Convenção Interamericana contra o racismo foi uma das pautas do evento. Douglas Martins – advogado e antigo Secretário adjunto da Secretaria de Igualdade Racial – demonstrou a relevância, sobretudo em termos de proteção jurídica da população negra, de contarmos com o conceito de discriminação indireta em sede Convencional, com destaque à possibilidade de serem reconhecidas agravantes em casos de discriminações múltiplas. Políticas de ação afirmativa, como o Programa de Proteção da diversidade étnico-racial no ambiente de trabalho e seu status de irreversibilidade também são progressos determinantes trazidos pela Convenção. “Esses conceitos não tinham lugar no nosso ordenamento jurídico, a Convenção os colocou e, ainda, estendeu expressamente essas políticas, esses compromissos para o âmbito das relações privadas”, afirmou Douglas.

No próximo sábado, a mesa intitulada “Inclusão racial e mercado” reunirá ativistas sindicais com o intuito de pensar os abismos que separam negros e brancos no trabalho e de problematizar junto aos Sindicatos a necessidade de inserção da pauta racial nas negociações coletivas. “Se conseguirmos incluir uma cláusula que garanta igualdade entre trabalhadores negros e brancos nos acordos e convenções coletivas, nós vamos dar um salto qualitativo importante nesse processo de superação do racismo na sociedade brasileira”, apontou Maria Palmira.

O Seminário abordará, ainda, questões cruciais sobre a história do racismo no mundo do trabalho e das cotas raciais no serviço público e concluirá com uma mesa sobre a letalidade da juventude negra. Rafael Pinto denuncia a urgência de combatermos o “braço armado do Estado” que, segundo ele, funciona por um lado como ferramenta de genocídio e por outro como mecanismo de desorganização social, política, cultural e religiosa da comunidade negra.

Que nossa movimentação nos espaços de luta seja conduzida pela força ancestral e revolucionária de Rafael Pinto, que insiste: “nós negros temos que elevar o sarrafo do debate no sentido pressionar o Estado brasileiro para discutir o modelo de sociedade que queremos”.

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