Diversidade

O massacre do supermercado na Bahia é um sinal da expansão das milícias

O passo-a-passo do brutal assassinato de Bruno e Ian obedece a padrões de atuação típicos das milícias e grupos de extermínio

Imagem de Bruno e Yan foi divulgada nas redes sociais antes de serem entregues a criminosos (Foto: Reprodução)
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Bruno Barros da Silva, de 29 anos, e Ian Barros da Silva, de 19 anos, foram as mais recentes vítimas da violência racial na cidade de Salvador. Tio e sobrinho, Bruno e Ian foram torturados por seguranças do supermercado Atakarejo, na última semana, após terem supostamente furtado alguns quilos de carne. Em seguida, foram mortos e deixados no porta malas de um carro na capital baiana.

Pelo que se sabe até o momento, Bruno e Ian foram espancados e depois entregues a criminosos do bairro, que se encarregaram de completar a execução. Nas palavras de Dionésia Barros, mãe de Bruno e avó de Ian, o Atakarejo os entregou para morrer. “Eu sei que erraram, mas os seguranças deram eles na bandeja para a morte”, disse Dionésia em ato público transmitido pelas redes sociais. De acordo com os depoimentos, Bruno chegou a ligar para familiares pedindo ajuda para pagar a carne supostamente furtada, mas não houve tempo para que qualquer providência fosse tomada. Os dois foram entregues a um grupo fortemente armado e encontrados com brutais marcas de tortura.

Segundo relatos de clientes do supermercado, é recorrente que o estabelecimento acione grupos armados locais para se livrar dos frequentadores indesejados: pretos, pobres, moradores das favelas. É a vitória de um consórcio publico privado de terror que mata jovens sem cerimônia, sem pedido de desculpas, sem responsabilização e até mesmo sem direito dos familiares ao velório.

O passo-a-passo do caso obedece a padrões de atuação típicos das milícias e grupos de extermínio. Os comerciantes entram com o financiamento inicial das práticas de execução, policiais corruptos vazam informes sobre operações e fornecem armas ou mesmo o serviço direto de execução. Outros agentes públicos beneficiam-se com o discurso de que “as milícias estão limpando a área”. O resultado deste empreitada é um rentável mercado de controle territorial e de formação de currais eleitorais nas periferias.

O modelo tornou-se hegemônico no Rio, onde as milícias já superam o tráfico no controle das regiões. Elegem parlamentares, dominam rotas de transporte ilegal, limitam a entrada de serviços de comunicação nas comunidades e exploram imóveis em regiões precarizadas.

Esse formato não é, entretanto, exclusivo das cidades fluminenses. Vem desde muito tempo sendo disseminado por todo o País, sob novos arranjos políticos e comerciais. O próprio Jair Bolsonaro, quando deputado, parabenizou a formação de grupos de extermínio. “Quero dizer aos companheiros da Bahia — há pouco ouvi um parlamentar criticar os grupos de extermínio — que, enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio (…)“ disse Bolsonaro em agosto de 2003 no plenário da Câmara dos Deputados.

Na Bahia, as milícias e os grupos de extermínio são, portanto um problema antigo, jamais enfrentando adequadamente, e que se fortaleceu na capital e no interior. Segundo relatório da CPI da Câmara dos Deputados que apurou a atuação dos grupos de extermínio no nordeste brasileiro, em 2005 a Bahia já se notabilizava como um dos estados em que se registrava a presença de supostos “justiceiros” que, a mando de comerciantes locais, executavam jovens alegando proteger o funcionamento de supermercados, shoppings e outros estabelecimentos.

O tema foi objeto de inúmeras denúncias de organizações do movimento negro ao longo dos últimos 16 anos, reportado a organismos internacionais, como as Nações Unidas e compôs relatórios de várias organizações de direitos humanos na última década. Todavia, muito pouco se avançou em termos de resposta estatal.

O massacre do supermercado Atakarejo é mais um capítulo fúnebre desta lastimável tragédia nacional que mata e faz desaparecer corpos negros. A conivência das autoridades públicas, o silêncio e a complacência por grande parte da sociedade combinam-se e alimentam um círculo de terror que produz mais e mais mortes e ódio racial.

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