

Opinião
O mal, ao contrário do bem, não é ilimitado
Assim como o assassino do trabalhador mineiro da limpeza urbana, Bolsonaro e, logo, Netanyahu, estarão devidamente enjaulados


“A massa, diz Freud, ‘é excitada apenas por estímulos desmedidos. Quem quiser influir sobre ela não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com as imagens mais fortes, exagerar e repetir a mesma coisa.”
Achille Mbembe
Não é assim que agem Trump e Netanyahu? Não foi assim com Bolsonaro, Hitler e Mussolini? Os ventos mudam, inexoravelmente; para o genocida nacional e, finalmente, para o israelense.
A greve geral que paralisa Israel nestes dias demonstra que o ódio brandido pelo gabinete de extrema-direita atingiu o limite. A sociedade israelense tomou plena consciência da manipulação e não está mais disposta a ser usada para que Netanyahu possa escapar da prisão, por crimes de corrupção (como os cometera também o genocida brasileiro) e para os desígnios imperialistas da extrema-direita israelense, estadunidense e europeia.
No Brasil, um marido de delegada mata um gari, em Belo Horizonte, porque o caminhão da coleta impedia a passagem de seu carro.
A ansiedade tornou-se algo patológico, assim como a aporofobia, o preconceito contra os pobres e os trabalhadores braçais.
O assassino qualificava-se nas redes sociais como “cristão e patriota”, não sendo, evidentemente, nem uma coisa nem outra.
Mais cristã é Madonna, que pediu ao Papa que viaje a Gaza. Aliás, demonstra cristandade do que a maioria dos supostos cristãos, calados diante do genocídio televisado.
Com efeito, a extrema-direita utiliza a moral, os costumes, a religião e o falso patriotismo para mascarar a intolerância, o ódio pelo diferente – inclusive o estrangeiro – ao contrário do que Cristo pregava.
No entanto, o mal, inversamente ao bem, não é ilimitado. Por isso, mais cedo ou mais tarde, acaba sendo revertido: assim como o assassino do trabalhador mineiro da limpeza urbana, Bolsonaro e, logo, Netanyahu, estarão devidamente enjaulados, inaptos para convivência social.
Entretanto, nossas sociedades precisam fazer algumas perguntas a si próprias.
Por que somos atingidos por níveis tão altos de ansiedade? O que é a ansiedade?
Não seria o desejo desesperado de viver o futuro e não o presente? O virtual não é não viver o agora, aqui?
Sem condenar todos os novos horizontes que a tecnologia nos trouxe, como viver o aqui e o agora de forma plena?
Não foi isso que fizeram os habitantes e o prefeito de Atenas, impedindo o desembarque de turistas israelenses, que assim puderam sentir o quanto são culpados pelo genocídio que permitem se levar a cabo em Gaza?
Dessa forma, os atenienses tomaram sobre si, de fato e por todos nós, as dores de nossos irmãos e irmãs em Gaza.
São cristãos, patriotas – pois não permitiram que seu solo fosse pisado por cúmplices de genocídio – e amantes do próximo, de verdade, não de mentira.
E com quantas inverdades temos de nos haver nos dias atuais!
A Rede Globo hosanando o genocida Milei, que mantém na miséria milhões de argentinos; tapando com a peneira o nome do desgovernador de São Paulo, diretamente responsável pelo escândalo da fraude fiscal na Ultrafarma, que desviou bilhões dos cofres públicos; o desimportante governador do Rio Grande do Sul que mais uma vez ataca a saúde do estado, do qual já privatizou a energia, o abastecimento de água e o saneamento, sem cortar um tostão do próprio salário – o que seria justo pois fora eleito para administrar o que não mais administra. Idem para Tarcísio de Freitas, que fez o mesmo em São Paulo, e Zema, o desgovernador tragador de banana com casca, de Minas Gerais, hilariamente autocandidato à presidência (provavelmente, com o slogan “bananas para nós, cascas para eles”).
Em O corpo encantado das ruas (editora Civilização Brasileira), Luiz Antonio Simas sofistica nosso olhar sobre a cultura brasileira, de sorte a nos ajudar a entender nosso aqui e agora:
“Nosso racismo epistêmico, que muitas vezes se manifesta em curiosa simpatia pela ‘macumba’, no fundo não reconhece esses saberes como sofisticados e libertadores, mas apenas como peculiares e folclorizantes. Bombagira, pombagira, sabe exatamente o que faz com o corpo: tudo aquilo que quiser fazer. Nós, que na maioria das vezes somos ensinados a ver no corpo o signo do pecado, é que não temos a mais vaga ideia sobre como lidar com ele. As pombagiras gargalham para as nossas limitações, enquanto dançam na rua.”
Na mesma obra, Simas complementa: “Precisamos morar na encruzilhada da alteridade como mecanismo de compreensão e vivência compartilhada de mundo, com a ousadia dos surdos de terceira em baterias de escolas de samba.”
Em A mística do instante (editora Paulinas), o cardeal José Tolentino Mendonça recorda, a propósito Jacques Lacan para quem: “O amor é dar o que não se tem.”
Trata-se de escuta, de interação com o outro. Para isso, faz-se necessário não se acreditar inteiro, completo, autossuficiente, detentor de toda a verdade, atributos exclusivamente reservados ao campo do divino.
Nesse sentido, a diplomacia pode ser um lindo ofício, se exercido com a humildade do aprendizado, mais do que do ensino.
Com efeito, pode ser tremendamente eficaz, inclusive para vencer as forças do imperialismo, que por tentar imbuir-se de atributos divinos, per se, torna-se fraco, na soberba, na vaidade, que, no latim, é clara na simples etimologia: vanitas, vã crença.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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