A guerra e o homem branco de esquerda

Deixei de ler minhas redes estes dias porque vê-los, lê-los, é insuportável. Ainda bem que há muitos outros homens de esquerda que sentem vergonha pelos comentários de seus pares

O presidente da Rússia, Vladimir Putin. Foto: Sergei Guneyev/Sputnik/AFP

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A guerra e o homem.

A guerra e o homem branco.

A guerra e o homem branco de esquerda.

Que terrível relação entre o macho e a guerra.

Só um macho para ter tesão pelo massacre.

Só um macho para sentir gozo pela arma.


Só um macho para se vangloriar, em voz alta, de que Vladimir Putin é um estrategista foda, o cara que peitou os Estados Unidos, um líder do caralho.

Só um macho para enaltecer um imperialista que supostamente colocou de quatro outros imperialistas.

Faltou só dizer que Putin deve ter um membro viril enorme.

Homens brancos de esquerda que encontram tesão nesta guerra.

Homens brancos de esquerda para os quais criticar a invasão é ser pró-imperialista, é ser pago pela CIA, pelo George Soros, ser um vendido, um traidor da causa dos povos subalternos, é ser um pró-nazista, é apoiar Biden…

Ser contra esta invasão é ser moralmente inferior, uma barata em termos éticos.

Claro, porque Putin representa muito bem os povos subalternos, os oprimidos.

Porque Putin representa a agenda da luta da periferia, da luta contra a desigualdade.

Porque Putin representa a liberdade, um novo mundo de esperança, um novo horizonte.

Um mundo onde as necessidades dos pobres serão atendidas, onde nós, mulheres, acabaremos com o patriarcado.

Um mundo sem oligarcas…

Para esse macho, o botão nuclear deve se aproximar da definição do orgasmo.


Eu sugiro preparar comboios para que esses machos entusiasmados peguem as armas que os excitam, viajem até a Ucrânia e se juntem às tropas russas.

Não querem sentir tesão de verdade? Bora lá.

Ou será que o tesão só se sente a um oceano de distância?

O homem e a guerra.

Relação antiga e brutal que se reedita uma e outra vez, uma e outra vez.

Um milhão de refugiados e aumentando.

Mas Putin é um cara do caralho.

Que tristeza, que tristeza profunda.

Tanta dor e o macho de esquerda sentindo prazer.

Deixei de ler minhas redes estes dias porque vê-los, lê-los, é insuportável.

Ainda bem que há muitos outros homens de esquerda que choram e que abominam esse tesão, que sentem angústia, que sentem vergonha pelos comentários de seus pares.

Ainda bem que nem tudo é macho.


Tenho um filho de 2 anos e me preocupa como lidar com o masculino.

Como criar um filho que não tenha tesão na guerra, que não goze com um monstro.

Como criar um homem que chore com a dor dos outros.

Como educar o masculino para que não seja insuportável, venenoso.

Como educar meu filho para que jamais pense, com um sorriso nos lábios, que os Putins que virão são caras do caralho.

O macho e a guerra. Nada mais abominável. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1199 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE MARÇO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A guerra e os homens”

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1 comentário

PAULO SERGIO CORDEIRO SANTOS 11 de março de 2022 14h43
Nada mais lamentável que ler uma feminista de esquerda criticar a opinião dos esquerdistas que entendem a invasão de Ucrânia por um líder nacionalista que defende a sua pátria e o seu povo, enfrentar o imperialismo estadunidense e uma Europa de joelhos a esse mesmo imperialismo. Nada mais lamentável ler uma esquerdista defender as mesmas teses dessa mídia que ataca o líder russo, demonizando-o, e se cala ou sempre se calou pelas barbáries cometidas pelo Ocidente capitaneado pelo EUA que derrubaram democracias constituídas, inclusive a nossa em várias fases da história e que pode repetir o mesmo golpe. Defender Putin e a Rússia é uma questão pontual e estratégica. Não significa ser a favor da guerra e dos inocentes que morrem, numa guerra sempre morrem inocentes. Mas não se deve esquecer que os ucranianos mataram muitos inocentes russos, simplesmente por serem russos e, financiados pelo grande império libertador do ocidente que se chama Estados Unidos da América e seus fiéis servos países europeus.

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