Opinião

O lugar da trabalhadora doméstica é onde ela quiser

Paulo Guedes está sendo coerente com Bolsonaro, que foi um dos dois únicos deputados a votar contra a PEC das Domésticas

A deputada Benedita da Silva (PT-RJ) vestida de empregada doméstica, para homenagear a categoria
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Na semana passada, ao falar sobre o dólar alto, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou: “Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Vamos importar menos, fazer substituição de importações, turismo. [Era] todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para a Disneylândia, uma festa danada”.

Parece que o ministro da Economia resolveu tirar a máscara da hipocrisia e assumir de vez o preconceito e a discriminação com que esse governo e as elites que o apoiam tratam o povo brasileiro.

Imediatamente várias empregadas domésticas repudiaram a declaração preconceituosa do ministro, mostrando que ele mexeu com uma classe que merece respeito e não tem medo de reagir.

Num vídeo de grande divulgação a empregada doméstica Fabia Macedos defende as conquistas da categoria e desconstrói os argumentos do ministro Guedes. Disse ela: “Isso aí não me surpreende. O governo dele foi contra a PEC das empregas domésticas, e graças a ela hoje eu posso almoçar, sentar, fazer hora extra, e Bolsonaro sempre foi contra. (…) Essa empregada doméstica que você critica paga impostos, sustenta você, seu parasita, sustenta a sua família, sustenta o seu presidente.”

De fato, Guedes está sendo coerente com Bolsonaro, que foi um dos dois únicos deputados a votar contra a PEC das Domésticas. Sua declaração também não surpreendeu pois apenas repete o preconceito histórico com que as trabalhadoras domésticas são tratadas.

Com cerca de 7 milhões de trabalhadoras, a categoria das empregadas domésticas é uma das maiores do país. Formada em sua maioria por mulheres negras, sua relação de trabalho sofreu bastante com a herança da escravidão. Mas elas se organizaram e lutaram para ter acesso aos mesmos direitos trabalhistas dos demais trabalhadores assalariados brasileiros. Somente em 2013 essa luta teve êxito com a PEC das Domésticas, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela presidenta Dilma. Dessa forma, todos os direitos da CLT foram estendidos aos trabalhadores e trabalhadoras domésticas.

Mas o que o preconceito de Guedes não consegue esconder é o ódio das elites à ascensão social dos pobres e pretos na época de Lula e Dilma. É a lembrança deles entrando na universidade, viajando de avião e fazendo compras nos shoppings. Para Guedes e as elites, tudo isso é algo que os pobres, apenas por serem pobres e pretos, não têm direito, uma “festa danada” que nunca mais deve voltar.

Mas foi uma época em que o pobre não era visto como problema, mas como solução para a economia e a educação. Várias gerações de jovens negros e indígenas se formaram em medicina, engenharia, direito. E isso está muito bem registrado no filme de Anna Muylaert, “Que horas ela Volta”, de 2015.

Sempre tem um filme no caminho das elites reacionárias, ou para registrar a ascensão social dos pobres ou para mostrar o que de fato foi o impeachment da presidenta Dilma, um golpe de Estado!

Foto: Isac Nóbrega/PR

As duas afirmações recentes do ministro Guedes, tanto a relacionada às empregadas domésticas quanto aquela em que chama os servidores públicos de “parasitas”, declarações que suscitaram críticas até da mídia conservadora, preocupada com tanta sinceridade, são reveladoras da natureza social de sua política econômica ultraliberal.

O golpe contra a presidenta Dilma e a eleição fake news de Bolsonaro foram feitas para as elites endinheiradas do país e do exterior submeterem o nosso povo ao que chamam de “Estado mínimo”. Na realidade isso significa Estado de proteção e benefício máximo para os ricos e ditadura do mercado para o povo.

Na verdade, o povo das favelas e das periferias sempre viveu num Estado mínimo, se considerarmos a condição de subcidadania em que historicamente foi submetido, analisada pelo sociólogo Jessé de Souza, situação que começou a ser melhorada com as políticas públicas do período governamental de Lula e Dilma, interrompido pelo golpe de 2016.

A pronta reação das empregadas domésticas e dos servidores públicos contra as ofensas discriminatórias desse governo fascista mostram que as sementes da resistência democrática estão brotando novamente no país.

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