Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

O interesse dos jovens pela política e a importância das ‘lideranças de opinião’ nas redes

Convertemos esse conceito em uma nova denominação, o chamado influencer. O personagem, porém, já é antigo nas ciências da comunicação e na ciência política

Foto: Marcos Santos/USP Imagens
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Por meio de uma coluna de Patrícia Campos Mello e outras entrevistas, tomei conhecimento de uma nova pesquisa realizada por Esther Solano e Camila Rocha, ambas pesquisadoras que têm se dedicado a estudar os fatores que incidem sobre a formação das mentalidades e posições políticas no Brasil contemporâneo, principalmente no que diz respeito aos novos movimentos de conservadores, da direita e da extrema-direita.

Nesta nova incursão, a dupla realizou 60 entrevistas aprofundadas com grupos de três jovens cujas idades variaram de 16 a 24 anos. O projeto se chama “Juventude e Democracia na América Latina” e as entrevistas foram realizadas em quatro países: Brasil, Argentina, Colômbia e México. Os resultados permitem constatar algumas continuidades e certas novidades que trazem boas lições para quem quer compreender como as pessoas, especialmente os jovens, se envolvem e se relacionam com a política. Tratarei de três delas.

A primeira diz respeito a um fato já bastante concreto, mas que encontra tantas resistências mistificadoras por aí. Não é verdade que “as pessoas”, especialmente os mais jovens, não se interessam por política. Abundam por aí fantasias de que o interesse por política é algo restrito e resumido a um certo grupo de pessoas diante de uma massa de “alienados”. Não é muito difícil inferir em que lugar se coloca quem oferece esse tão confortável e autoelogioso diagnóstico, certo?

As pessoas se interessam e se envolvem com política. As pessoas discutem temas políticos e não é pouco. O fato de se interessarem por outros temas e assuntos da vida, da cultura e do entretenimento não os faz seres alheios à vida política. O fato de o outro não pensar a política como você ou como você gostaria que ele ou ela pensasse não significa que ele ou ela ignore a política. Ao contrário.

Mas como consomem e se envolvem com a política? Por meio de lideranças de opinião. Por meio dos elos sociais que estabelecem com sujeitos a quem atribuem certo reconhecimento de autoridade para lidar com temas que lhes são caros e importantes. Nas redes digitais, convertemos esse conceito em uma nova denominação, os chamados digital influencers ou simplesmente influencers. No entanto, o personagem já é antigo nas ciências da comunicação e na ciência política.

A descoberta da figura do líder de opinião é responsável por um dos marcos fundamentais das Teorias da Comunicação: os indivíduos que compõem a recepção das mensagens dos veículos de comunicação massiva não são meras tábulas rasas em que os produtores desses conteúdos inscrevem aquilo que pretendem para gerar nessa massa de gente os efeitos cognitivos e comportamentais que desejam. Parafraseando o título do trabalho seminal de Paul Lazarsfeld e Elihu Katz, os líderes de opinião medeiam as partilhas desses conteúdos e os sentidos atribuídos a elas como personagens sociais que “desempenham um papel fundamental no fluxo da comunicação massiva”. É a influência pessoal ou a personal influence.

Com um foco mais preciso na política e nas eleições, Paul Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel Gaudet encontraram, nos idos de 1940, a mesma importância do papel desses mediadores sociais nos processos pelos quais as pessoas formam suas opiniões políticas e preferências eleitorais. Líderes de opinião são aqueles que gozam de um alto capital social entre membros de determinadas comunidades para oferecer interpretações sobre fatos, eventos e problemas sociais a esses grupos.

Na era das plataformas digitais, esse capital social costuma ser alcançado e aferido pela quantidade de seguidores, engajamentos e visualizações. Trata-se, em outras palavras, daqueles que possuem um alto grau de reconhecimento social em razão do que fazem e dizem para seus públicos nas redes digitais. Na era da comunicação de massa, tínhamos um protagonismo extraordinário de jornalistas e articulistas inseridos nos veículos tradicionais. Hoje temos um profunda pulverização da distribuição desse capital e uma segmentação de públicos cada vez maior.

A terceira lição diz respeito ao caráter desses lideranças digitais de opinião e como tratam de política. Segundo a pesquisa de Solano e Rocha, essa juventude não tem contato com a política por meio de militantes políticos. Preferem aqueles célebres que falam, eventualmente, de política: são ex-participantes de reality-shows, blogueiras de moda e maquiagem, cantoras gospel e outras personalidades cristãs, comentadores de fofocas da indústria do entretenimento, gamers e policiais, dentre tantos outros e outras.

São influenciadores que, em primeiro lugar, não têm nos temas políticos seu interesse central. A política aparece quando precisa aparecer, quando convoca a opinião e a atenção gerais. Em segundo lugar, não tratam de temas políticos, como meio-ambiente, pobreza, desigualdade social, feminismo e aborto com paixão militante. Abordam esses temas diluídos entre tantos outros de maneira pouco ou nada partidarizada. E é exatamente isso que os jovens entrevistados pela dupla de pesquisadoras buscam: distância das militâncias apaixonadas, intransigentes e arredias e da explícita vinculação com interesses político-partidários.

Os temas e suas abordagens importam mais do que as vinculações políticas.

Em suma, para quem tem pretensões de compreender ou mesmo de se envolver na política e disputar votos, as lições extraídas do estudo são claras: 1) Os jovens (e a população em geral) se interessam por política; 2) a política chega por meio da mediação daqueles alçados à condição de líderes de opinião presentes, cada vez mais, nas redes digitais. São esses que devem ser compreendidos e alcançados por quem quer tomar parte no debate público ampliado; 3) a política tratada com furor da militância que mais parece estar em meio a uma guerra religiosa pode até gerar maior coesão nos laços de grupo e reforço de identidades, mas afasta todo o resto que importa: a maioria.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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