Gustavo Freire Barbosa

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Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”.

Opinião

O incontido amor do bolsonarismo pelo nazismo

A notória inspiração nos métodos de Hitler e Mussolini não impediu que a direita liberal, republicana, aderisse ao bolsonarismo após constatar que só ele poderia derrotar o PT em 2018

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No último dia sete, o deputado estadual João Henrique Catan (PL) empunhou o livro “Minha Luta”, de Adolf Hitler, no púlpito do plenário da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul.

O parlamentar se queixou das restrições judiciais à circulação do livro, onde o líder nazista “retrata suas estratégias para aniquilar, fuzilar o parlamento e os direitos de representação popular”. Logo após, roga para que “este parlamento se fortaleça, se reconstrua, se reorganize nos rumos do que foi o parlamento europeu na Alemanha” após a II Guerra Mundial.

A intenção do deputado era comparar o governador do seu estado a Hitler, já que ambos teriam a intenção de “anular o parlamento, corromper a democracia”. Em suas redes, Catan, bolsonarista convicto, se apresenta como “conservador, combativo, cristão e armamentista”. À Folha de S. Paulo, declarou que tem “ojeriza por Hitler”.

Nem tanto.

Não faltam provas de como a ascensão de Bolsonaro estimulou a saída de neonazistas do armário. O próprio ex-mandatário e seus seguidores nunca se preocuparam em esconder a proximidade de seu programa, objetivos e visão de mundo com os derrotados de 1945.

O esgoto bolsonarista é abastecido, sobretudo, por um acúmulo político e teórico que vê a esquerda como o pior dos inimigos. Um inimigo a ser exterminado, metralhado ou executado na “Ponta da Praia”, de acordo com o próprio Bolsonaro. A notória inspiração nos métodos de Hitler e Mussolini não impediu que a direita liberal, republicana, aderisse ao bolsonarismo após constatar que só ele poderia derrotar o PT em 2018.

Olhando um pouco mais para trás, ainda é possível concluir que não foi a “direita civilizada” que antagonizou com a turma de Hitler. O crescimento do nazismo nas décadas de 20 e 30 só foi possível em virtude do consórcio entre ele e a socialdemocracia alemã para tirar do caminho os comunistas liderados por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. A tradição de Hitler é a tradição do Ocidente colonizador, que usa garfo e faca nos iluminados salões de Paris e Londres. É em “Minha Luta” onde afirma que se inspira na colonização britânica na Índia, pretendendo fazer o mesmo com os eslavos do leste europeu, a quem chamava, sugestivamente, de “índios da Europa”.

Não faltam provas das metas da Alemanha nazista. A partilha da Checoslováquia em 1938, feita entre França, Inglaterra, Itália e Alemanha, é uma das demonstrações do DNA colonial do expansionismo alemão, que deu ao território ocupado a qualificação de “protetorado”, palavra tirada do vocabulário imperialista. Hitler, no final das contas, olhava para os pomposos impérios coloniais de seus vizinhos e perguntava: por que não podemos ser assim também?

Seu real antagonista, portanto, não está no Ocidente de Winston Churchill e Franklin Delano Roosevelt, cujo país, responsável por uma legislação racista que fez os próprios nazistas corarem, tratava sua população negra da mesma maneira que os países da Europa central tratavam os povos colonizados. O nazismo se expande exatamente num período histórico em que há, no Ocidente, certo consenso sobre a hierarquização das raças, uma das justificativas para o expansionismo colonial. Restou à União Soviética, composta pelos “índios da Europa”, impor as mais significativas derrotas à Alemanha nazista e estimular as lutas de libertação dos povos do terceiro mundo contra o jugo imperialista, negando a condição de raça inferior.

Não é à toa que o anticomunismo, um traço da identidade do nazismo, é também parte do bolsonarismo. “A gente enfrenta esses caras desde 1922”, afirmou Bolsonaro em 2018. O ano é o da fundação do Partido Comunista Brasileiro. “As pessoas adoram o que eu tenho a dizer. Elas acreditam nisso. Só não gostam da palavra ‘nazista’”, conclui a personagem Tempesta em uma cena da segunda temporada da série The Boys.  As ressalvas do deputado Catan e outros bolsonaristas quanto ao nazismo só duram até o primeiro gritar “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, não coincidentemente uma adaptação do slogan nazista Deutschland über alles (“Alemanha acima de todos”).

É aí que a ojeriza assume a forma de amor incontido.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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