Gustavo Freire Barbosa

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Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”.

Opinião

O gangsterismo imobiliário da família Bolsonaro

É este antipetismo e sua matiz bolsonarista que vê com naturalidade a aquisição de dezenas de imóveis com R$ 26 milhões em dinheiro vivo pelo clã presidencial

O presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). Foto: Carolina Antunes/PR
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Nos tempos em que a Lava Jato mandava no Brasil, os releases da assessoria de imprensa da 13ª Vara Federal de Curitiba eram encarados pelos meios de comunicação como escrituras sagradas. Não havia qualquer disposição para apurar as versões e estripulias de Sergio Moro e sua trupe de procuradores. “A imprensa comprava tudo”, relatou a ex-assessora de comunicação do então magistrado[1], mostrando que Vera Magalhães e O Antagonista, mesmo hoje, estão longe de ser as únicas correias de transmissão do lavajatismo.

Uma das versões que colou foi exatamente a de que Lula seria o proprietário de um tríplex no Guarujá. Talvez o trecho que melhor expõe a fragilidade da denúncia contra o ex-presidente esteja no infame diálogo, divulgado pelo hacker de Araraquara, entre o procurador e o juiz: inseguro, Dallagnol procura Moro para compartilhar o desconforto com as acusações de que não apresentou provas contra Lula, ocasião em que Moro o acalenta, incentivando-o a seguir firme (imagine só: o acusador procura o juiz por não ter certeza que o réu é culpado e o juiz o reconforta, assegurando que no final dará tudo certo…).

Mesmo depois do vazamento, bufões moralistas e reacionários permaneceram acendendo velas ao antipetismo no altar da Lava Jato. A turma de Dallagnol acusava Lula de receber propina da OAS, que, ao invés de depositar o dinheiro na conta do ex-mandatário, teria reformado um apartamento meia-boca no Guarujá do qual Marisa Letícia, então esposa de Lula, tinha adquirido cotas na época em que o bem era de sua proprietária anterior, uma cooperativa falida. Embora a defesa tenha provado que Lula nunca teve a posse muito menos a propriedade do imóvel, e que não havia prova de qualquer ato de corrupção correlacionado – algo reconhecido pelo próprio ex-juiz na decisão em que afirma inexistir relação entre a reforma e os contratos firmados entre a OAS e a Petrobras, ignorando ser este o objeto principal da ação contra Lula -, o dardo já havia sido atirado quando o alvo foi pintado. A aura do Lula corrupto, construída pela Lava Jato nos tempos em que Moro e Dallagnol eram vistos como arcanjos redentores, continua sendo o combustível do antipetismo.

É este antipetismo e sua matiz bolsonarista que vê com naturalidade a aquisição de dezenas de imóveis com R$ 26 milhões em dinheiro vivo pelo clã presidencial. De 1990 até hoje, a família Bolsonaro negociou 107 compras. Destas aquisições, em 51 sentiu-se o cheiro do dinheiro. O papel moeda parece ser uma marca da tradição miliciana: o esquema das rachadinhas e depósitos feitos por Queiroz foram também em dinheiro vivo – provavelmente não por desconfiança do parentesco entre a urna e o caixa eletrônico, mas por ser uma forma conveniente de operar sem deixar vestígios.

No debate da Band, Bolsonaro escolheu o presidente Lula para responder à pergunta sobre corrupção. Ainda que primária e facilmente respondível, Lula deu uma resposta insatisfatória, buscando ocupar esse espaço unicamente para enumerar os feitos de seus governos. Por mais que as credenciais do passado sejam fundamentais, mirar no futuro não é menos importante. E esta mira passa também por demonstrar que o bolsonarismo é moralmente indefensável; não é sem esforços que se defende o  braço político do neoliberalismo que jogou 33 milhões de pessoas na fome aguda e que tem raízes no crime organizado miliciano e em práticas como a dos pastores do MEC e do desvio do dinheiro das vacinas.

A dupla moral do bolsonarismo é na verdade uma só, tendo seu vértice na permanência da razão econômica que busca levar o Brasil de vez para a condição primário-exportadora e para a completa perda de sua soberania e autodeterminação, loteando o Estado, implodindo o serviço público e aumentando a superexploração do trabalhador. Fome, miséria, informalidade e morte fazem parte de um projeto, ainda que não declaradamente.

Para enfrentá-lo é central denunciar o gangsterismo que se apossou do Planalto, trocando as luvas pelica pelas de boxe, como sugeriu o jornalista Mário Magalhães. O suspeitíssimo sucesso imobiliário da família Bolsonaro mostra que fazer isso nem é tão difícil.

[1] https://theintercept.com/2018/10/29/lava-jato-imprensa-entrevista-assessora/

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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