Carmem Feijó

Professora titular do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (Finde)

Opinião

O financiamento da transição climática

O que dará funcionalidade à taxonomia sustentável para alavancar o investimento na direção desejada é ser inserida no Plano de Transformação Ecológica

O Porto do Pecém trabalha para se tornar um hub de distribuição de hidrogênio verde - Imagem: GOVCE
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O Plano de Ação para a Taxonomia Sustentável Brasileira, lançado na COP28, em Dubai, é um componente importante do eixo de Finanças Sustentáveis do Plano de Transformação Ecológica previsto pelo atual governo. Isso porque a transição climática implica na necessidade de uma mudança estrutural e o seu financiamento envolve tanto decisões de alocação de recursos financeiras rotineiras como decisões de elevada incerteza. Assim, espera-se que essa taxonomia efetivamente oriente escolhas sobre alocação de fluxos financeiros na direção da transição para uma economia de baixo carbono e preservação da biodiversidade.

Uma taxonomia visando a sustentabilidade ambiental deve evitar o greenwashing, ou seja, a alocação de recursos em atividades ditas “verdes” mas que não atendem a critérios claros de sustentabilidade socioambiental. Nos últimos anos, houve uma proliferação de taxonomias criadas pela iniciativa privada com o predomínio de uma métrica de classificações tipo ESG (Ambiental, Social e Governança, na sigla em inglês). Se, por um lado, as taxonomias privadas atendem à necessidade de as empresas construírem seu capital reputacional, num contexto em que a consciência com a preservação do meio ambiente interfere em escolhas econômicas, por outro, indicadores globais de aquecimento do planeta não têm evoluído como esperado. Ou seja, taxonomias privadas são meritórias, mas não têm sido o suficiente para induzir a transição climática, ie, a mudança na estrutura produtiva que reflita desaceleração no ritmo do aquecimento global.

A iniciativa de construção de taxonomias pelos governos oferece ao mercado uma classificação única e com critérios abrangentes sobre o entendimento de sustentabilidade ambiental e transição climática justa. Neste sentido, vai muito além da classificação proposta pelo mercado, que visa basicamente a mitigação de emissões de gases de efeito estufa e poluição do ponto de vista de firmas individuais. Enquanto classificações baseadas na métrica ESG são um claro estímulo para que o sistema financeiro privado internalize as questões climáticas em suas análises de risco, rotinizando o processo de esverdeamento da economia, as taxonomias públicas são mais ambiciosas, na medida em que permitem que se alinhe o fluxo de financiamento, e portanto de investimento, à nova missão do Estado, refletido no Plano de Transição Ecológica. A taxonomia proporciona um processo mais transparente, comparável e auditável dos investimentos em atividades de baixa emissão de gases de efeito estufa.

A transição climática, com mudança estrutural, adensamento produtivo e socialmente inclusiva, deve promover de forma ordenada o decrescimento de atividades de elevada emissão de gases de efeito estufa e o crescimento de atividades “verdes”, de tal sorte que a estrutura produtiva como um todo se torne mais limpa.

Duas dificuldades no processo de transição climática representam ameaças à estabilidade financeira das economias. A primeira é a rapidez com que deve ocorrer a transição. O aquecimento global impõe uma urgência em termos de decrescimento de atividades com elevada contribuição para o efeito estufa, em particular a exploração e uso de combustíveis fósseis. A rápida desvalorização de ativos de atividades ligadas ao aquecimento global ameaça a estabilidade financeira das economias, dada a grande concentração de riqueza em ativos produtivos que contribuem para o aquecimento global. Uma segunda dificuldade diz respeito ao elevado grau de incerteza em relação aos custos e retornos esperados em investimentos em novas tecnologias com baixa contribuição ao aquecimento global. São investimentos que não se enquadram em rotinas já assimiladas pelo sistema financeiro, dada a percepção de elevado risco, comprometimento de recursos por um longo período e retorno incerto. A impossibilidade de precificação de ativos “verdes” inviabiliza o financiamento privado em investimentos novos, com baixo potencial de emissão, e retarda o processo de transição climática, o que representa também uma ameaça sistêmica ao sistema financeiro por potenciais perdas por crises climáticas.

No debate brasileiro, a taxonomia para as finanças sustentáveis está sendo delineada como um sistema de categorização estruturado de atividades, setores e processos que afetam positivamente as metas climáticas, de preservação do clima, da biodiversidade e de garantias sociais predefinidas. Assim, o sistema de classificação em desenvolvimento irá oferecer critérios para a construção de indicadores para a avaliação da sustentabilidade de uma atividade e, também, promover a interoperabilidade com outras taxonomias, fornecendo uma terminologia unificada para as partes interessadas – empresas, instituições financeiras, investidores, consumidores, reguladores e governos. Vale observar que a proposta da taxonomia brasileira se beneficia da experiência de outras taxonomias públicas já construídas, como da União Europeia, do México e da Colômbia, para citar as principais.

No entanto, o que irá dar funcionalidade à taxonomia sustentável em debate atualmente para alavancar o investimento na direção desejada para a transição climática é ser inserida no Plano de Transformação Ecológica, permitindo que o resultado da ação coordenada das políticas públicas seja consistentemente avaliado ao longo do tempo. Por isso, espera-se que a abordagem disciplinada da taxonomia para finanças sustentáveis impulsione a confiança do setor financeiro e proporcione uma estrutura clara para avaliação de riscos e oportunidades. No novo paradigma das finanças sustentáveis, ou seja, onde investir e como financiar o investimento, não pode ser uma questão de interpretação subjetiva, mas sim de um conjunto de critérios mensuráveis e mensurados, que orientem a transição ordenada para uma economia de baixo carbono e com estabilidade financeira e com justiça social.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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