Gustavo Freire Barbosa

gustavofreirebarbosa@cartacapital.com.br

Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”.

Opinião

O fim da escala 6×1 e a batalha pelo tempo

À primeira vista, a proposta pode parecer apenas um abrandamento da exploração da força de trabalho. Mas pode significar muito mais

O fim da escala 6×1 e a batalha pelo tempo
O fim da escala 6×1 e a batalha pelo tempo
O Movimento VAT, que prop acabar com a escala 6X1, surgiu nas redes sociais (Foto: Davi Pinheiro/Divulgação)
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A abolição da escala 6×1, na qual o trabalhador dedica seis dias ao trabalho e um ao descanso, pode se concretizar caso seja aprovada a proposta de emenda à Constituição da deputada Erika Hilton (PSOL-SP). Até terça-feira, 12 de novembro, a parlamentar afirmou ter reunido 140 assinaturas para protocolá-la, restando 31 para que comece a tramitar.

A luta pela redução da jornada de trabalho é uma bandeira desde o surgimento do proletariado moderno no século XIX. No prefácio de 1890 para uma edição alemã do Manifesto do Partido Comunista, Friedrich Engels escreveu: “Hoje, dia em que escrevo estas linhas, o proletariado europeu e americano passa em revista suas forças de combate mobilizadas pela primeira vez, num único exército, sob uma única bandeira e para um objetivo próximo: o dia normal de oito horas de trabalho, a estabelecer por lei”.

Anos antes, Karl Marx observou: “O trabalho é externo ao trabalhador, não pertence ao seu ser; ele não se afirma, mas se nega em seu trabalho; não se sente bem, mas infeliz; não desenvolve energia física ou mental, mas mortifica seu corpo e arruina seu espírito. O trabalhador só se sente à vontade fora do trabalho e fora de si no trabalho”. E conclui: “Seu trabalho não é voluntário, mas forçado; não é a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio de satisfazer necessidades fora dele”.

Quando a vida se confunde com a exploração, ela se restringe aos limites dessa exploração. A atividade vital, a vida produtiva, aparece apenas como um meio para satisfazer carências físicas. A verdadeira vida, porém, é aquela que gera vida e se volta para si mesma – algo improvável quando o trabalho é unicamente um meio de sobrevivência, ou quando “a vida aparece só como meio de vida”.

Quando a vida se confunde com a exploração, ela se restringe aos limites dessa exploração

O fim da escala 6×1 representa uma batalha pelo tempo numa arena onde emergem os antagonismos entre capital e trabalho. O empregador, ao comprar a força de trabalho, adquire o tempo do trabalhador, e tudo o que é produzido nesse período lhe pertence. Portanto, é do interesse do empregador expandir esse tempo e invadir o tempo livre do trabalhador, para que este dedique a maior parte de sua vida a produzir riqueza que majoritariamente não ficará em suas mãos. O trabalhador, por sua vez, busca mais tempo livre, protegendo seu tempo dos interesses de quem deseja comprá-lo.

O antagonismo entre capital e trabalho envolve interesses inconciliáveis. No limite, pode gerar rupturas revolucionárias. Quem vende sua força de trabalho o faz por necessidade. Se democracias contemporâneas concederam direitos trabalhistas e previdenciários, foi tanto pela pressão de uma classe trabalhadora organizada quanto pela necessidade de evitar insurreições.

É improvável que o mercado, predatório e regido pela livre concorrência, por si só decida “entregar os anéis para manter os dedos”. Vargas, após aprovar a CLT, teve que explicar à burguesia descontente que também o fez para salvá-la.

Assim, à primeira vista, o fim da escala 6×1 pode parecer apenas um abrandamento da exploração da força de trabalho. Contudo, dependendo do nível de organização da classe trabalhadora, pode significar muito mais: com menos tempo trabalhando, sobra mais tempo para dedicar-se a atividades artísticas, lúdicas, intelectuais, esportivas e à ação política organizada. Quando Engels destaca a unidade na luta pela redução da jornada, reconhece nessa bandeira o potencial de unificar o operariado para objetivos que vão além da redução da exploração.

Por essas e outras razões, o fim da escala 6×1 é fundamental, especialmente num contexto em que o avanço da tecnologia e da produtividade permite produzir mais em menos tempo. O despertar das potencialidades humanas surgirá quando houver tempo livre para o trabalhador, num mundo em que a tecnologia pode ser usada a seu favor e não apenas para lucro e acumulação.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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