Drauzio Varella

drauzio@cartacapital.com.br

Médico cancerologista, foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS no Brasil. Entre outras obras, é autor de "Estação Carandiru", livro vencedor do Prêmio Jabuti 2000 na categoria não-ficção, adaptado para o cinema em 2003.

Opinião

assine e leia

O fim da bariátrica?

A primeira geração de drogas capazes de provocar perdas expressivas de peso significou uma revolução no tratamento da obesidade

O fim da bariátrica?
O fim da bariátrica?
Apoie Siga-nos no

Nos últimos anos, aprendemos muito com as cirurgias bariátricas. Não só sobre os efeitos mecânicos da redução de estômago, como também dos mecanismos moleculares envolvidos no equilíbrio entre fome e saciedade.

Com pequenas variações, existem duas técnicas mais empregadas nessas operações: a de restrição do volume gástrico e a de restrição acompanhada de desvio do trânsito intestinal.

A primeira forma emprega a técnica Sleeve ou Gastrectomia Vertical, em que quase todo o estômago é retirado, deixando a porção remanescente com a forma de um tubo. Além da diminuição do volume gástrico, a cirurgia elimina a parte alta do estômago, responsável pela produção de grelina, hormônio ligado à fome.

A segunda é conhecida com o nome de Y-de-Roux. Também é uma técnica restritiva, mas com desvio do trânsito. Neste caso, a gastrectomia é horizontal, feita nas proximidades da junção com esôfago, de modo que o volume gástrico fique restrito a uma bolsa de 5 a 20 mL (o volume normal é de 1 litro). O estômago remanescente não é retirado, mas fica separado e isolado do trânsito.

Em seguida, o cirurgião secciona uma alça jejuno e leva a parte proximal para ligá-la à bolsa em que se transformou estômago, com a finalidade de criar um caminho alternativo para desviar o trânsito, manobra que recebe o nome de Bypass.

Um estudo randomizado recente mostrou que, depois de três anos de acompanhamento, 32% dos que foram submetidos ao Bypass Gástrico em Y-de-Roux não atingiram o objetivo de perder 50% do excesso de peso. No caso da cirurgia em Sleeve, foi pior, o mesmo objetivo só foi alcançado por 25%.

Outros estudos mostraram que, depois de sete anos da cirurgia em ­Y-de-Roux, 33% dos pacientes recuperaram mais de 25% dos quilos perdidos.

No caso da cirurgia em Sleeve, depois de seis anos de pós-operatório, 76% voltaram a engordar. Entre os que sofriam de diabetes do tipo 2, a metade não conseguiu atingir a meta de normalizar a hemoglobina glicada (exame que dá o valor médio da glicemia nos últimos três meses), e apenas 62% conseguiram manter a glicemia sem precisar de medicamentos.

Embora seja possível reoperar os que responderam mal à cirurgia prévia, os riscos aumentam, os períodos pós-operatórios são mais prolongados e os ­custos, mais altos.

Essas dificuldades abriram espaço para associar à bariátrica, nos casos em que a cirurgia não gerou os resultados esperados, os medicamentos contra a obesidade desenvolvidos nos últimos anos.

Os análogos do GLP–1 e do GIP despertaram grande interesse porque são drogas bem toleradas, capazes de provocar perdas de 15% a 20% do peso corpóreo e aumentam as chances de controlar a glicemia dos pacientes com diabetes.

As perdas expressivas de peso associadas a drogas como a semaglutida, a tirzepatida e a liraglutida nos fazem pensar: será o fim das cirurgias bariátricas?

Ainda é cedo. O tratamento medicamentoso é caro e precisa ser mantido, porque o peso começa a voltar aos valores iniciais assim que o medicamento é interrompido. Manter a aderência de drogas tão caras por anos consecutivos é tarefa inglória.

Como até agora não tivemos um estudo randomizado que permitisse a comparação dos resultados obtidos com a cirurgia bariátrica e com medicação, os especialistas têm adotado condutas variáveis:

1. Cirurgia bariátrica de início, seguida de tratamento medicamentoso para os que não tiveram perdas significativas ou para os que recuperaram o peso perdido.

2. Medicamentos de início, seguidos pela bariátrica nos que não emagreceram ou não conseguiram aderir à medicação.

3. Associação de bariátrica com a medicação logo de início, estratégia que alguns especialistas reservam para os casos de obesidade mais grave.

Considerar a obesidade um problema daqueles que comem muito e não fazem exercícios é ignorância. Os mecanismos de fome e saciedade sofrem tantas influências genéticas, familiares, ambientais e culturais, e são tão complexos, que não podem ser reduzidos a questões de disciplina e de força de vontade.

Estamos vivendo uma revolução nessa área da medicina, causada pela possibilidade de cirurgia e de uma primeira geração de drogas que provocam perdas expressivas de peso. As próximas gerações de medicamentos que virão talvez nos façam lembrar da cirurgia bariátrica como coisa do passado. •

Publicado na edição n° 1385 de CartaCapital, em 29 de outubro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O fim da bariátrica?’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.

CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.

Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo