Fernando Dal-Ri Murcia

Professor e diretor FIPECAFI Projetos, professor do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de São Paulo - FEA/USP, e Doutor em Contabilidade e Controladoria pela USP

Opinião

O falso antagonismo entre o lucro e a sustentabilidade empresarial

A adoção de práticas sustentáveis tornou-se condição necessária para a empresa continuar gerando retornos para os seus acionistas

Foto: Menahem Kahana/AFP/Getty Images
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Críticos das práticas ESG argumentam que o único objetivo da empresa é gerar lucro e retornos aos seus acionistas, conforme defendido pelo líder da escola de economia de Chicago e Prêmio Nobel Milton Friedman. Para essa corrente de pensamento, haveria um conflito entre a sustentabilidade empresarial e a geração de lucro.

Neste breve ensaio, apresento um contraponto a essa visão de que lucro e sustentabilidade empresarial sejam conceitos antagônicos. Ao contrário, defendo que – adotando-se uma visão de longo prazo – só serão lucrativas as empresas que se preocuparem com a sustentabilidade dos seus negócios considerando as vertentes: (i) social, (ii) ambiental e (iii) de governança.

Inicialmente é importante ressaltar que as práticas ESG não dizem respeito à empresa ser “boazinha”, fazer doações pontuais e plantar árvores em canteiros pela cidade. Ao contrário, apesar de estas serem iniciativas louváveis e contribuírem para a sociedade como um todo, quando realizadas com a mera finalidade de “marketing socioambiental” configuram-se como uma espécie de maquiagem verde na qual a empresa se promove como sendo sustentável – mas a prática empresarial efetiva é muito distinta do discurso, algo conhecido no mercado como “greenwashing”.

A adoção efetiva do ESG passa pela incorporação dessas práticas no modelo de negócios da empresa, na implementação da estratégia e no aproveitamento das oportunidades e minimização dos riscos. Afinal, a continuidade operacional de uma organização depende de uma vasta gama de recursos e relações que incluem sua força de trabalho, as comunidades locais, recursos naturais, os provedores de recursos financeiros etc.

No âmbito social, por exemplo, quanto melhor forem as relações entre a empresa e os colaboradores, melhor tenderá a ser a produtividade deles. O mesmo se aplica para a atração e a retenção dos melhores talentos. Na competição pelas melhores mentes, saem na frente as empresas que conseguem oferecer melhores condições de trabalho aos colaboradores. E claro, funcionários mais qualificados e mais felizes tenderão a gerar mais lucro para a empresa. Além disso, a empresa provavelmente terá uma menor rotatividade e um menor volume de processos trabalhistas. No final, novamente, as práticas ESG impactaram positivamente no caixa da empresa.

Na ótica ambiental, diversos são os exemplos de empresas que não buscaram mitigar os impactos das suas atividades no meio ambiente. Desastres envolvendo vazamentos, derramamentos etc. podem e muitas vezes comprometem a continuidade operacional dos negócios; empresa que quebra não gera retornos aos acionistas. Nesse contexto, além da preocupação com as emissões e a transição para energia limpa, a gestão ambiental é algo que deve compor a matriz de risco das empresas que pretendem continuar existindo no futuro.

Por fim, na perspectiva de governança, há uma série de estudos que comprovam que o desalinhamento de interesses entre os administradores e os provedores de capital prejudicam sensivelmente o resultado das empresas. Diversos são os casos de expropriação de acionistas minoritários que foram iludidos por estórias mirabolantes e apresentações de PowerPoint. A ausência de monitoramento, controles internos ineficazes e incentivos incorretos geram o ambiente perfeito para a ocorrência de fraudes organizacionais. E quem paga a conta no final do dia são os acionistas e credores que proveram recursos para essas empresas.

Em conclusão, o valor de uma companhia pode ser definido como o fluxo de caixa que ela produz para os seus investidores ao longo de sua existência. Sustentabilidade empresarial está relacionada com resiliência, continuidade operacional, sobreviver a crises e continuar operando por gerações. Nesse sentido, não existe nenhum antagonismo entre a sustentabilidade empresarial e a geração de valor para os acionistas. Ao contrário, a adoção de práticas sustentáveis tornou-se condição necessária para a empresa continuar obtendo lucro e gerando retornos para os seus acionistas ao longo de sua existência.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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