Riad Younes

riadyounes@cartacapital.com.br

Médico, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e professor da Faculdade de Medicina da USP.

Opinião

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O excesso de estatinas

Um estudo demonstra ter sido exagerada a indicação de estatinas para reduzir o colesterol em mais de 4,1 milhões de americanos. O resultado terá impactos no Brasil

O excesso de estatinas
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O colesterol circula no sangue Colesterol
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Na última década, milhões de brasileiros, entre outras populações, começaram a tomar seus comprimidos diários de estatinas – nas variadas formulações químicas – e, mais recentemente, injeções, com o objetivo de controlar os níveis de colesterol circulante no sangue. Cada vez mais, recomendações dos especialistas têm baixado o sarrafo aceitável da normalidade para o LDL, conhecido como colesterol ruim.

O médico, geralmente, utiliza equações que determinam o risco de cada pessoa apresentar um quadro de doença cardiovascular grave, como infarto ou acidente vascular cerebral nos próximos anos e, com base no nível desse risco, prescreve ou não estatinas com o intuito de minimizar as possibilidades de obstrução arterial por placas de aterosclerose.

Uma piada que corre nos meios médicos é que, baixando tanto o nível de LDL considerado aceitável, logo as autoridades de saúde suplementarão estatinas na água potável, para que todo mundo receba a sua dose diária. Mas, como tudo na ciência, não há nem certezas absolutas nem dogmas imutáveis em torno do assunto.

Há poucos dias, foi publicado na prestigiosa revista médica Jama ­Internal ­Medicine um estudo extenso realizado por cientistas da Universidade de ­Pittsburgh, do Centro Médico Beth ­Israel Deaconess da Universidade Harvard e da Universidade de Michigan, liderados por doutor Timothy Anderson, pesquisador da Universidade de Pittsburgh.

O estudo reavaliou as diretrizes mundialmente aceitas até o momento para que um médico recomende o uso contínuo de estatinas para um determinado paciente. Nele foram analisadas a acurácia das equações e dos cálculos de risco atualmente usados na rotina médica. Nesse estudo, os pesquisadores coletaram dados de 3.785 adultos, com idades variando entre 40 e 75 anos, entre 2017 e 2020.

Os riscos individuais desses voluntários de doenças cardiovasculares ateroscleróticas foram estimados por meio de dois métodos. O PCE (Pooled Cohort Equations), método convencional, introduzido há décadas, foi comparado com equações recentemente desenvolvidas também pela American Heart Association (AHA), que é a Sociedade Americana de Cardiologia, chamadas PREVENT – sigla derivada da expressão Predicting Risk of Cardiovascular Disease Events.

A primeira grande vantagem do PREVENT é a representatividade da população atual. O PCE, por sua vez, utilizava dados coletados muitas décadas atrás, com falhas no que diz respeito à diversidade da população americana e às alterações mais modernas de comportamento e de fatores de risco.

Conhecimentos novos da biologia da doença cardiovascular também foram incluídos nos cálculos do modelo PREVENT, além de terem sido enfatizados os fatores raciais de cada indivíduo. Os cientistas observaram que havia excesso de indicação de estatinas em mais de 4,1 milhões de americanos, que tomavam esses comprimidos ou injeções com base em avaliação de riscos distorcida.

Esses dados terão um impacto imediato, não somente nos Estados Unidos.

Também aqui no Brasil, cada pessoa que toma estatinas deverá rediscutir a indicação individual com seu médico, para ver se ainda se enquadra em risco elevado o suficiente para uma recomendação de tratamento pelo resto da vida.

Os cientistas alertam que tais decisões devem ser individualizadas, revistas e discutidas com os médicos periodicamente. Há sempre atualizações nos dados científicos, assim como dos fatores de risco individuais, que podem modificar-se com o avanço da idade ou o aparecimento de novos problemas de saúde, como síndromes metabólicas ou doenças renais.

Isso significa que, para muitos brasileiros, poderá, talvez, haver suspensão do uso das estatinas. Pelo menos por enquanto. •

Publicado na edição n° 1317 de CartaCapital, em 03 de julho de 2024.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O excesso de estatinas’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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