Artigo
O Estado de Polícia de Tarcísio e os ataques à democracia
Esta guerra não será vencida com mais repressão policial, ainda que o cidadão comum aplauda penitenciárias lotadas e dominadas pelo crime organizado


O modelo econômico que está sendo colocado em prática nos Estados Unidos de Trump serve como base de diversas plataformas do espaço político ocupado pela extrema-direita no Brasil.
O projeto executado por Trump 2.0 coincide com a concepção difundida em nosso País por figuras políticas como Paulo Guedes, Wilson Witzel e Jair Bolsonaro.
Este modelo, dito pós-liberal, inclui uma forte contração do espaço que os serviços públicos ocupam na vida de cada um dos cidadãos. Demissões em massa de servidores públicos e fechamento de diversos ministérios são alguns dos exemplos mais recentes desta nova política baseada em forte populismo.
A mensagem que coloca um alvo nas costas dos servidores públicos atravessa as redes sociais para chegar nas pessoas com menor capacidade de inserção no atual mercado de trabalho. São os deserdados de um século XXI marcado por forte automação e uso das ferramentas de tecnologia.
O único espaço de ampliação deste modelo de Estado midiático populista acaba sendo ocupado pelo chamado Estado de Polícia, com forte investimento em segurança pública a partir de uma ideologia calcada no medo da população. O investimento em saúde e educação é reduzido. Na outra mão, crescem os investimentos da repressão policial, apesar de um sistema carcerário em franca decomposição.
Este tipo de modelo baseado na ideologia da Lei e da Ordem elegeu diversos presidentes nos Estados Unidos e, em última análise, capturou o interesse dos eleitores brasileiros que viram em Bolsonaro, Witzel e Tarcísio de Freitas alternativas frente ao caos urbano difundido pelos meios de comunicação social.
O livro A Lei e a Ordem, de Ralf Dahrendorf, desnuda completamente este viés autoritário e utilitarista, o qual já serviu de combustível na Segunda Guerra Mundial. Serviu para eleger pessoas sem conhecimento da importância estratégica do Estado contemporâneo.
Esta guerra seguramente não será vencida com mais repressão policial, ainda que o cidadão comum aplauda penitenciárias lotadas e dominadas pelo crime organizado.
As politicas públicas na área de segurança no estado de São Paulo têm despertado grande interesse nos pesquisadores da área de direitos humanos. Os resultados da violência policial são frustrantes e redundam em críticas ao modelo adotado pelo governador Tarcísio, especialmente quando se considera o texto de nossa Constituição.
Em data recente, o nosso STF descriminalizou o uso de pequenas quantidades de maconha e tem permitido a liberdade provisória de pequenos traficantes.
São políticas públicas adequadas a um sistema penitenciário em colapso há mais de 30 anos, do qual se beneficiam o PCC e o Comando Vermelho — que recebem, todos os dias, mão de obra jovem e barata.
O modelo de Estado mínimo remete a Noczick, que em seu livro-manifesto Anarquia, Estado e Utopia, defende um chamado Estado mínimo. Um dos estudos favoritos desta nova direita iluminada por Trump é O Caminho da Servidão (1944), de Hayek.
Buscam requentar, quase cem anos depois, uma guerra fria que pertence ao passado. São inegáveis os crimes contra a humanidade cometidos por Stalin na extinta União Soviética, bem como o genocídio perpetrado por Hitler. A democracia é a única alternativa, e Churchill bem compreendeu sua importância histórica para as gerações futuras.
A China de 2025 não é o mesmo país de 1995
Hoje, a democracia é novamente atacada por todos os lados e o Supremo Tribunal no Brasil está no centro deste debate mundial, na defesa intransigente de nossa Constituição.
A experiência recente comprova que este modelo de drástico enxugamento da máquina pública pode ter consequências irreversíveis. Basta ver o recente caso da quebra do Lehmann Brothers em 2008 e a pandemia da Covid em 2019. Em ambos os casos foi o Estado, por meio de seus recursos e servidores públicos, que manteve a máquina capitalista funcionando. Não existe a possibilidade de um salto no escuro no século XXI.
O mundo contemporâneo está marcado pela completa imprevisibilidade. Enchentes como as do Rio Grande do Sul e agora no Texas serão cada vez mais comuns e imprevisíveis. Cass Sunstein já alertava sobre isto há mais de 15 anos em seu célebre livro Worst Case Scenarios. A resposta para estes novos desafios não virá por um aumento crescente das despesas com segurança pública e privada no Brasil, à custa da redução do investimento nas áreas sociais.
Em data recente, a Suprema Corte dos Estados Unidos autorizou o prosseguimento das demissões em massa de servidores públicos do Departamento de Estado dos Estados Unidos com base em precedentes do Tribunal.
O modelo está sendo implementado e serve de inspiração para a extrema-direita brasileira, que desconsidera os dados alarmantes de crescente desigualdade social no Brasil.
Muitos preferem as palavras simplistas do já falecido Olavo de Carvalho do que exemplos de sucesso, como a política de saúde no governo Obama ou a ampliação de programas sociais no Brasil de Lula.
Olavo passou boa parte de sua vida morando nos Estados Unidos, mas voltou ao Brasil quando já, infelizmente, enfermo e foi atendido por dignos servidores públicos federais no brasileirissimo SUS. Os custos na área da saúde nos Estados Unidos são realmente importantes.
Entre o discurso e a prática, um grande oceano
A ciência política e o Direito Constitucional devem servir como balizas para o futuro de nosso País. Desde 1988, temos uma Constituição Federal com forte viés social-democrata, especialmente quando menciona a função social da propriedade e a busca da erradicação da pobreza.
A quem interessa manter os pobres cada vez mais pobres em um mundo em transformação tecnológica e comercial, mesmo que à revelia da nossa Constituição?
A redução abrupta da capacidade operacional de reação do Estado, através de seus servidores públicos, frente a desastres naturais e ao avanço do fracasso na área da educação produzirá consequências permanentes em solo brasileiro.
A melhoria dos índices de segurança pública, inclusive dos sistemas judicial criminal e penitenciário, passa por uma profunda e sincera reflexão sobre qual Brasil queremos para as futuras gerações.
Um País paramilitar e dominado pelo sectarismo político e baseado no medo da população ou um Brasil fadado a ampliar a qualidade de vida dos mais pobres? Se a ultima alternativa prevalecer, então não existe outro caminho senão pelo investimento e pela melhoria dos serviços públicos, com a consequente renúncia ao discurso populista.
Projetos para o futuro devem tomar em consideração aquilo que se chama pacto intergeracional, ou seja, um compromisso ético e moral com as gerações futuras, seja na área ambiental ou na educação publica, gratuita e de qualidade.
Se a elite já desistiu do Brasil, então resta a nós, modestos professores universitários, defender as bases de reconstrução do País.
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Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
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