Vilma Reis

Socióloga, ativista e ex-ouvidora-geral da Defensoria Pública da Bahia

Opinião

O espelho real

A estética política das mulheres negras ocupou a cena e, graças aos diferentes coletivos que se organizam e se levantam, esse movimento não tem volta

Vilma Reis. Foto: José Eduardo Bernardes/Brasil de Fato
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Com o País mobilizado para as próximas eleições, com vários projetos de pré-candidaturas se desenhando e sendo apresentados à sociedade, nós, mulheres negras mobilizadas em cada estado e no Distrito Federal, chegamos a este pleito eleitoral com agendas muito potentes, que não poderão mais ser deixadas de fora.

Dentre elas está o enfrentamento da violência política, visível nas ameaças constantes e no trauma do assassinato de Marielle Franco. Também fundamental é a pauta do acesso aos recursos financeiros, via Fundo Eleitoral e Fundo Partidário. Essas são agendas estruturantes para o sistema político brasileiro. Respostas para essas questões precisam emergir do intenso e propositivo debate liderado por mulheres negras e indígenas, mobilizadas para eleger as bancadas ­Negra-Quilombola e do Cocar, respectivamente. Só assim mudaremos a atual fotografia e configuração do Congresso Nacional e das Casas Legislativas.

No Encontro Nacional Mulheres Negras Radicalizando o Imaginário Coletivo e Político de Esquerda, realizado nos dias 29 e 30 de abril, em Salvador, nos ouvimos e trocamos muito sobre as novas formas de fazer política no ambiente partidário. A estética política das mulheres negras ocupou a cena e, graças aos diferentes coletivos que se organizam e se levantam em todo o País, esse movimento não tem volta. Precisamos conter a violência contra as mulheres negras eleitas e construir caminhos para que as instituições tenham mecanismos para garantir a equidade racial e de gênero nas próximas eleições no Brasil.

A violência que as mulheres eleitas entre 2018 e 2020 estão enfrentando é muito grave. Cito, como exemplo, as situações enfrentadas pelas vereadoras Lins Robalo, em São Borja (RS), Melina, em Brusque (SC), e Ana Lúcia Martins, em Joinville (SC), pela prefeita Eliena Gonzaga, em Cachoeira (BA), e pelas deputadas federais Talíria Petrone (PSOL/RJ) e Áurea Carolina (MG). Todas estão sob fortes ameaças às suas vidas e às suas atividades políticas.

Nas Assembleias Legislativas nos estados, a situação se repete. Em Minas Gerais, a deputada estadual Andreia de Jesus já abriu 27 processos contra as graves agressões que lhe são direcionadas. A violência estende-se às parlamentares trans e travestis nas Câmaras Municipais e Assembleias Estaduais Brasil adentro. Algumas chegam a ser impedidas até mesmo de acessar os sanitários, mediante ameaças. Foi o caso da vereadora Benny Brioly, na Câmara Municipal de Niterói (RJ), que chegou a sair por alguns meses do País, e a deputada Érica Malunguinho, na Assembleia Legislativa de São Paulo. Respondemos a essas situações com muita altivez.

Diante deste quadro, entendemos que o Superior Tribunal Eleitoral (STE) precisa criar mecanismos de proteção – assim como já o fez para parlamentares homens. Essas mensagens precisam chegar à sociedade.

As muitas mulheres das bancadas federal, estaduais e municipais do PSOL presentes no ato de apoio a Lula, no sábado 30, em São Paulo, dizem muito sobre a nova estética política brasileira: diversa, com participação horizontalizada das cidadãs negras e indígenas com vozes e projetos construídos nas bases de origem de seus movimentos.

Também neste momento de construção dos comitês populares de luta, as organizações dos vários movimentos antirracistas se levantam nas periferias e nos centros das cidades. Bem como nos territórios das lutas do campo. Temos nos organizado para destacar a importância de eleger um Congresso Nacional mais focado em resolver os problemas que atingem em cheio as populações mais empobrecidas, criminalizadas e vulnerabilizadas, seja pelo desmonte das políticas sociais desde a aprovação da PEC 95, seja pela baixíssima representação de mulheres negras nos espaços de poder.

O que precisamos e desejamos é o caminho do diálogo, criando todas as possibilidades de quebra dos silêncios sobre as ausências das mulheres negras, indígenas, LGBTQIA+ e outros grupos secularmente em desvantagem na representação política e nas mesas de decisões.

O País precisa superar a situação de mal-estar nacional e internacional de vivermos uma distorção entre o Brasil real­ do meio da rua, da vida que pulsa, e o Brasil representado, nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, pela hegemonia branca-macho-rica de representação. Essa fotografia distorcida não pode continuar sendo aceita. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1207 DE CARTACAPITAL, EM 11 DE MAIO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O espelho real”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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