Amarílis Costa

Advogada, doutoranda em Direitos Humanos na Faculdade de Direito USP, mestra em Ciências Humanas, pesquisadora do GEPPIS-EACH-USP, diretora executiva da Rede Liberdade.

Opinião

O efeito dominó do corte de recursos dos EUA para os direitos humanos

Sem fiscalização e sem pressão internacional, o Brasil caminha para mais desigualdade e repressão

O efeito dominó do corte de recursos dos EUA para os direitos humanos
O efeito dominó do corte de recursos dos EUA para os direitos humanos
Donald Trump no dia de sua posse, em 20 de janeiro de 2025. Foto: Angela Weiss/AFP
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O recente corte de mais de US$ 1 milhão em recursos destinados a entidades de direitos humanos no Brasil, ordenado pelo governo Trump, é um golpe direto contra setores fundamentais para a manutenção da democracia e da equidade social. Mais do que uma decisão administrativa, a medida faz parte de uma estratégia coordenada para desestruturar organizações que atuam na proteção de populações vulneráveis, no fortalecimento da sociedade civil e na defesa de direitos fundamentais.

As consequências são imediatas e concretas: programas de combate ao racismo, assistência a vítimas de violência doméstica, preservação ambiental e proteção a minorias já estão comprometidos. Organizações que dependem desse financiamento correm o risco de fechar as portas, enquanto comunidades inteiras perdem acesso a projetos essenciais. No Brasil, onde grande parte do financiamento dessas entidades vem do exterior, o impacto é ainda mais severo.

O corte não é um caso isolado. Nos últimos anos, cresceu um movimento global de repressão ao terceiro setor e à filantropia voltada a causas sociais. No Brasil, o governo Bolsonaro adotou estratégias semelhantes, monitorando ONGs e restringindo a atuação de organizações internacionais, alinhando-se a essa política de esvaziamento dos direitos humanos. Mas o fim desses repasses não significa apenas a falta de recursos: ele enfraquece a fiscalização sobre violações, limita as denúncias internacionais e empurra para a invisibilidade pautas essenciais para a justiça social.

Entre os setores mais atingidos estão iniciativas voltadas às populações marginalizadas. A assistência a mulheres vítimas de violência, por exemplo, já sente os efeitos. Programas como a Promotora Legal Popular, que oferece apoio jurídico e psicológico, enfrentam dificuldades para manter suas atividades, elevando o risco de desamparo e impunidade. O mesmo ocorre com projetos de proteção a comunidades indígenas e quilombolas, que agora enfrentam mais barreiras para garantir sua sobrevivência e resistência.

Além disso, já se observam retrocessos significativos em políticas públicas de combate a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e HIV/AIDS. Em Porto Alegre, serviços essenciais foram interrompidos devido à suspensão de financiamentos de filantropias americanas. O programa A Hora é Agora, que oferece autotestes de HIV e assistência a grupos vulneráveis, foi diretamente afetado. A tendência é de agravamento, principalmente em regiões onde essas iniciativas representavam a única forma de acesso a serviços essenciais de saúde.

Diante desse cenário, uma pergunta se impõe: como a sociedade pode reagir para evitar um colapso ainda maior na assistência a populações em risco?

A crise se torna ainda mais alarmante em meio a um cenário político instável. Com a possibilidade de retorno do bolsonarismo à presidência em 2026 e a escalada da ultradireita nos Estados Unidos, o futuro do terceiro setor é de ainda mais cerceamento e controle. Mais do que um corte financeiro, trata-se de um ataque deliberado à autonomia da sociedade civil, enfraquecendo a luta por justiça social e direitos humanos.

Sem fiscalização, sem apoio às populações vulneráveis e sem pressão internacional contra retrocessos, o Brasil caminha para um cenário de desigualdade ainda mais profunda e repressão crescente. Se não houver uma resposta imediata – do governo, da comunidade internacional e da sociedade civil –, corremos o risco de assistir, inertes, ao desmonte das garantias fundamentais que levaram décadas para serem conquistadas.

É hora de reconhecer a gravidade desse ataque e reagir. O terceiro setor não é um entrave ao desenvolvimento, mas um pilar essencial da democracia. As consequências desse desmonte já estão em curso. Se nada for feito, o preço a pagar será alto demais – para todos nós e para as gerações futuras.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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