Jamil Chade

Jornalista, correspondente internacional, escritor e integrante do conselho do Instituto Vladimir Herzog

Opinião

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O dragão se move

Em resposta a Trump, a China apresenta sua proposta de uma nova ordem global

O dragão se move
O dragão se move
Vladimir Putin, Narendra Modi e Xi Jinping – Foto: Suo Takekuma/pool/AFP
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Em foto que rodou o mundo nesta semana, os líderes Xi ­Jinping, Narendra Modi e Vladimir ­Putin apertavam as mãos e ensaiavam sorrisos. Sabiam do peso daquele encontro e daquela imagem. Juntos, eles representam mais de 3 bilhões de habitantes, além de uma expressiva fatia do território e do PIB do planeta. Naquele momento, davam um sinal claro de que não iriam mais assistir passivamente ao desmonte do sistema internacional promovido pelo governo de Donald Trump.

Teria aquela cena sido improvisada ou cuidadosamente ensaiada pelas diplomacias dos três gigantes? No fundo, pouco importa. O fato é que ela aconteceu, com enormes repercussões políticas e em um momento no qual a Casa Branca faz uma ofensiva sem precedentes para desmontar as instituições internacionais, rever fronteiras, abalar o direito internacional e abrir uma disputa pela hegemonia no século XXI.

Naqueles apertos de mãos havia apenas parte da história. Seria no discurso dos anfitriões chineses que o mundo começaria a ver desenhada a estratégia de Pequim. Concretamente, o encontro na cidade de Tianjin serviu de pretexto para a China apresentar sua proposta de reforma da ordem mundial, com novos pactos de segurança global e ordenação econômica. Tudo isso acompanhado de um cheque de 1,5 bilhão de dólares em empréstimos chineses apenas para os países asiáticos nos próximos três anos.

No centro da nova ordem proposta pela China está o Sul Global. Xi deixou claro que não cederá à chantagem norte-americana. “Precisamos adotar uma postura clara contra o hegemonismo e praticar o verdadeiro multilateralismo”, disse. O líder chinês apresentou, então, o que chamou de “Iniciativa de Governança Global”, uma estratégia para garantir que as próximas décadas sejam marcadas pelo fim do unilateralismo dos EUA.

Xi defende que todos os países, independentemente do seu tamanho, força ou riqueza, sejam participantes, tomadores de decisão e beneficiários iguais na governança global. “Não deve haver dois pesos e duas medidas, e as regras internas de alguns países não devem ser impostas a outros”, disse. Não há exatamente generosidade nesse plano, tampouco altruísmo internacional. Pequim busca afastar a possibilidade de que novos modelos de colonialismo a partir do Ocidente – leia-se EUA – possam ocorrer.

Segundo o líder chinês, cinco eixos devem marcar a nova ordem global. “Primeiro, devemos aderir à igualdade soberana. Segundo, devemos respeitar o Estado de Direito internacional. Terceiro, devemos praticar o multilateralismo. Quarto, devemos defender a abordagem centrada nas pessoas. E, por fim, devemos nos concentrar em tomar medidas reais”, disse.

A ideia de Xi Jinping é, portanto, a de reforçar o multilateralismo, um instrumento das ambições chinesas para garantir que tenha voz e voto na definição das regras e da influência pelo mundo. Não por acaso, o governo Trump insiste que o sistema internacional não está apenas obsoleto, mas também representa uma ameaça aos interesses norte-americanos.

Pequim é, hoje, o maior obstáculo existencial para os EUA, um desafio talvez até maior do que a União Soviética foi no auge da Guerra Fria. O temor de muitos é de que, no fundo, a agressiva ofensiva de Trump esteja ampliando a rejeição aos norte-americanos, e abrindo as portas para uma inserção ainda maior da China pelo mundo.

Uma recente pesquisa da Nexus evidenciou esse fenômeno no Brasil. A opinião pública já vê com simpatia os Brics. Para 56% dos entrevistados, a liderança norte-americana traz prejuízos ao País. Até mesmo a hegemonia do dólar parece abalada. Pelo levantamento, quase metade dos brasileiros acredita ser conveniente buscar alternativas à moeda americana.

Trump deu outro presente para a China. Impôs pesadas tarifas à Índia, sob a alegação de que o país ignorou as sanções norte-americanas e manteve o comércio com a Rússia. Assim, o presidente dos EUA desmontou décadas de esforços diplomáticos para afastar Nova Délhi do eixo de Pequim.

Durante o recente encontro na China, Modi passou seu recado. Pegou carona no carro blindado de Putin. Horas depois, nas redes sociais de Elon Musk, o primeiro-ministro da Índia provocou Trump ao escrever elogios para o líder russo. Em resposta, Putin tratou o indiano de “querido amigo”.

Em política internacional, não existe amizade, e sim interesses. Neste momento, é de interesse estratégico desses três líderes mandar uma mensagem a Trump: não irão ceder. E, no caso da China, de apresentar um plano audacioso – e poderoso – para conter a ambição norte-americana. •

Publicado na edição n° 1378 de CartaCapital, em 10 de setembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘O dragão se move’

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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