Opinião
O destino do País e do bolsonarismo está nas mãos de Aras e Lira. Salve-se quem puder…
Se o Brasil não fosse este Brasil, Bolsonaro e sua turma estariam recolhidos ao hospício
A pretensa normalidade da situação brasileira exprime-se também por meio de outra falácia: é do conhecimento até do mundo mineral que a legalidade se manifesta por meio das leis que, no caso do Brasil de Bolsonaro, estão aí para consagrar toda a clamorosa injustiça em vigor. Sabemos da iminência da divulgação das conclusões da CPI da Pandemia, algumas delas já divulgadas precipitadamente. Mas de que vale a decisão da CPI por mais certeira? Mesmo denunciado o presidente da República como criminoso, a decisão relativa ao seu mandato há de passar pela Procuradoria-Geral da República e pela liderança da Câmara.
Contamos nestes postos-chave com Augusto Aras e Arthur Lira, respectivamente, serviçais de Bolsonaro. Eles se incumbirão de tornar letra morta as justas denúncias da CPI. Donde uma pergunta a mais dirigida aos indignados botões: que legalidade é esta disposta tão somente a premiar a vontade dos donos do poder? No fundo, é a mesma legalidade que aceita sem maiores objeções o calendário eleitoral ditado pelos golpistas, depois da derrubada de Dilma Rousseff, da condenação sem provas de Lula, das tramoias de Sergio Moro e Deltan Dallagnol já condenadas pelo próprio Supremo Tribunal Federal, e do governo do usurpador Michel Temer, com o desmonte da CLT e da Justiça do Trabalho, sem contar a tentativa de acabar com o SUS.
Ao cabo, chegam Jair Bolsonaro e o seu bolsonarismo. Trazem a eterna ameaça do golpe – a hipótese não é descartável – e da reeleição do criminoso. Trata-se de um circuito fechado e sem alternativas, graças à perfeita orquestração da manobra que garante o ex-capitão no Planalto. Exaltar a ilegalidade, enquanto Aras e Lira são os intérpretes da lei, configura o enésimo crime. Tanto o procurador-geral quanto o presidente da Câmara protagonizariam a contento, e até com brilho, um filme intitulado A Trapaça. Para tanto, as fisionomias representam uma contribuição indispensável.
Uma gangue da Chicago dos anos 20 e 30 não conseguiria provocar o descalabro de um país inteiro entregue ao seu destino, com uma particularidade a ressaltar: a polícia, pelo menos parte dela, se esforçava então para manter a legalidade. Por aqui seria pura quimera. Não é de se estranhar que os mais tradicionais donos do poder se unam na aliança pela terceira via, na evidente opção de um país a salvo dos crimes bolsonaristas, mas também de qualquer sinal do chamado esquerdismo, a favor de um povo incapaz até hoje de qualquer gênero de reação aos vexames e humilhações constantemente sofridos.
Perfeitos para estrelar o filme intitulado A Trapaça. (FOTO: Andressa Anholete/Getty Images/AFP e Sergio Lima/AFP)
Recordo um antigo ditado segundo o qual pior de tudo é estar no mato sem cachorro. Arrisco-me a dizer que nunca estivemos embrenhados em uma situação tão difícil de reverter. É como se o País, muito além de perder o rumo, tivesse dado sequência aos seus humores e tendências naturais. De fato, a nossa história nos conduz até aqui de forma absurdamente consequente, a um cenário ainda medieval, onde casa-grande e senzala continuam de pé.
De certa maneira, há brasileiros a merecer Bolsonaro. Outros não se dão conta de coisa alguma, nem mesmo da sua inexorável miséria física e mental. Certo teria sido encerrar o ciclo golpista e, inocentado Lula, convocar eleições para decidir o futuro. É o que se daria em um país democrático e civilizado. É, infelizmente, o que ainda não somos e possivelmente estejamos muito longe de ser e, a julgar pela conjuntura atual, cada vez mais distantes. A normalidade aparente é uma farsa, a legalidade um ardil, enquanto o cenário se apinha cada vez mais de figuras similares a Aras e Lira, ambos representativos da resistência de Bolsonaro e dos crimes cometidos contra o País e seu povo.
Não estamos à deriva, já ficamos encalhados. Se o Brasil não fosse este Brasil, Bolsonaro e sua turma estariam recolhidos ao hospício.
Publicado na edição nº 1180 de CartaCapital, em 21 de outubro de 2021.
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