Jesus dos Santos

Jesus dos Santos (PDT) é nordestino, morador da Zona Norte da cidade de São Paulo, militante da cultura e comunicação popular nas periferias. Conselheiro participativo municipal. Integrou a Frente Única da Cultura SP. Atualmente está codeputado estadual, pela Mandata Ativista, primeiro mandato coletivo do Estado de São Paulo.

Opinião

O desmonte de Doria na área da Cultura

Com a chegada da pandemia do coronavírus, o descaso do governador foi ainda maior

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Foto: GOVSP
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Doria nunca teve muita afinidade com a Cultura, aqui não me refiro àquele quadro de Romero Brito que ele recebeu enquanto estava em Dubai, digo à cultura popular, aquela que acontece nas praças, nas ruas e nas periferias do estado de São Paulo.

Desde que assumiu o governo, Doria vem promovendo um desmonte na pasta da cultura. Alguns ataques foram marcantes, basta lembrar de 2019, quando houve um “contingenciamento” de R$148 milhões do orçamento, além da ameaça de corte ao projeto Guri, que se fosse adiante, levaria o fechamento do projeto em diversas cidades, somente na região de São Carlos, 23 das 31 unidades iriam fechar.

Ainda não podemos esquecer da suspensão do PROAC ICMS, que funcionava há mais de 15 anos e destinava R$ 100 milhões para iniciativas culturais. Em troca deste programa, Doria ofereceu o PROAC Expresso Direto, onde a gestão teria controle e distribuiria os recursos para grupos culturais, no entanto, essa mudança levanta a dúvida: “será que Doria destinaria recursos para artistas que criticam o governo?”.

Com a chegada da pandemia do coronavírus, o descaso de Doria foi ainda maior. Já era de conhecimento público que os trabalhadores da cultura seriam os primeiros a pararem e, passado mais de um ano, ainda não retomaram suas atividades e permanecem sem assistência do Estado.

Pesquisa da Unesco revela que cerca de metade dos trabalhadores da cultura tiveram 100% de sua renda reduzida (maio e julho), neste mesmo período, apenas 10% não tiveram seus rendimentos impactados pela pandemia.

A mesma pesquisa mostra que o auxílio emergencial foi a principal fonte de renda para cerca 30% dos grupos artísticos, enquanto que editais de apoio do poder público somaram 18%. Esses números apenas mostram a dependência do setor cultural do poder público, pois fora isso, 4% renegociaram dívidas em bancos, outros 4% pegaram empréstimos bancários e 7,5% sobrevivem através de doações.

O que chama atenção é que, durante o período entre maio e julho do ano passado, já era observado que milhares de fazedores da cultura sobreviviam apenas com doações. O que nos leva a imaginar que, com o corte dos auxílios no final do ano passado, o cenário ficou muito pior!

Recentemente tivemos a boa notícia de que o Congresso prorrogará a Lei Aldir Blanc, ainda falta a assinatura do presidente Bolsonaro, contudo, vale a pena refletir se apenas esse edital é suficiente para “colocar comida na mesa” dos trabalhadores do setor cultural.

Logo no início da pandemia lançamos pela Frente Parlamentar em Defesa da Cultura o Projeto de Lei 253/20, que oferecia auxílio para trabalhadores do setor cultural, no entanto, esse projeto foi ignorado pelo Doria e por grande parte dos deputados da ALESP, que estão lá apenas para legitimar esse desgoverno tucano.

O último episódio deste descaso aconteceu recentemente, quando o Governo aprovou o projeto Bolsa do Povo sem levar em consideração as emendas propostas pelos deputados, sendo que uma delas era a Emenda Ismael Ivo (83/21), proposta por mim, e que ofereceria auxílio para trabalhadores do setor cultural.

Por outro lado, um projeto aprovado recentemente do Ceará mostra um caminho que o São Paulo deve adotar! Sem depender do governo federal, o Estado nordestino aprovou um auxílio de R$ 500 para trabalhadores do setor cultural, englobando recepcionistas de eventos e técnicos de produção, figurino, iluminação e entre outros.

Agora, o que estamos acompanhando da gestão estadual é um barulho enorme sobre a liberação dos editais de cultura de São Paulo, como se essa iniciativa partisse do governador. Esse discurso, bastante desonesto, apenas mostra o lado ‘doriana’ de governar: Investir no marketing ao invés de investir em políticas públicas.

O que Doria anunciou já estava previsto desde dezembro de 2020, quando aprovamos na Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) o orçamento para este ano. Sendo assim, o que há é um marketing enorme em cima de políticas já consolidadas. Liberar esse recurso para cultura é mais que obrigação!

Não faltam projetos para ajudar a cultura em São Paulo, muito menos dinheiro, isso porque nosso Estado foi um dos únicos a registrar um aumento na sua receita em 2020, mesmo com a pandemia. De acordo com o LOA (Lei de Orçamento Anual) de 2021, aprovado em dezembro do ano passado, houve um crescimento de 3% na arrecadação.

Essa falta de vontade de Doria em ajudar a classe artística apenas demonstra o quanto ele e Bolsonaro estão alinhados, seguindo a mesma cartilha de interesse político/econômico, enquanto um destrói o Brasil com suas políticas negacionistas, o outro destrói São Paulo com a falta de incentivo para cultura e para a área social.

Enquanto o governo federal liberou recursos do orçamento público para famílias em vulnerabilidade social e para trabalhadores do setor cultural, o governo de São Paulo, que detém o segundo maior do Brasil – apenas perdendo para a união – se acovardou frente à responsabilidade pelas vidas dos paulistas.

Essa covardia levou milhares de famílias a dependerem exclusivamente da caridade de ativistas e organizações sociais. Como se não fosse o bastante, ainda somos bombardeados por declarações da primeira-dama do Estado e presidente do Fundo Social de São Paulo, Bia Doria, que é para nós deixarmos de distribuir alimentos.

Ou seja, não só o Governo de São Paulo se omite frente ao desafio da fome, como também sabota quem leva comida à mesa dessas famílias.

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