Juliana Mastrascusa

É jornalista, mestranda na UFABC e Coordenadora e Estrategista de Comunicação da Coding Rights

Mariana Tamari

É jornalista e co-diretora executiva da Coding Rights. Pesquisadora e gestora que atua nas áreas de comunicação e tecnologias, em suas intersecções com os direitos humanos, a política e a justiça social

Opinião

O desafio aos novos parlamentos e prefeituras no debate tecnopolítico

A IA foi amplamente empregada nas campanhas digitais. Mas usos indevidos e vieses de seus algoritmos podem aumentar contextos de desigualdade e opressão

O desafio aos novos parlamentos e prefeituras no debate tecnopolítico
O desafio aos novos parlamentos e prefeituras no debate tecnopolítico
Vídeos feitos por inteligência artificial são cada vez mais comuns, mas levantam alertas. Foto: Pablo PORCIUNCULA / AFP
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Poucos são os que hoje conseguem acompanhar de perto o desenvolvimento e as possibilidades abertas por novas tecnologias. A Inteligência Artificial, em pouco mais de um ano, virou sinônimo de solução em narrativas tecno-solucionistas – do dever de casa na escola à segurança pública de um Estado. O que não aconteceu na mesma velocidade, no entanto, foi o avanço do debate sobre as armadilhas desse “desenvolvimento” nos parlamentos brasileiros.

Nas eleições de 2024, a comunicação digital foi a protagonista das campanhas, e a IA foi amplamente usada. O uso da tecnologia em si não necessariamente é um problema. O problema são os usos indevidos e vieses de seus algoritmos, que podem aumentar contextos de desigualdade e opressão.

A Coding Rights é uma organização que há quase uma década olha para as interseccionalidades entre tecnologias e direitos humanos. Nas eleições de 2024, com apoio da Fundação Heinrich Böll, investimos em um projeto piloto com candidaturas que concorreram ao pleito municipal, tendo como base o Mapa dos Territórios da Internet, uma cartografia que ilustra as dimensões físicas e geopolíticas da estrutura da internet e materializa a nuvem, com o intuito de territorializar as disputas de poder que envolvem o debate tecnológico no mundo.

Em um encontro realizado no Rio de Janeiro, com base no Mapa dos Territórios da Internet, foi desenvolvida uma contribuição programática com diretrizes para políticas públicas e ações pertinentes no que diz respeito ao debate tecnológico no âmbito municipal.

Na segurança pública, por exemplo, é de extrema relevância que as novas bancadas olhem para o banimento do reconhecimento facial, tecnologia que acumula graves críticas dado o caráter enviesado de seus sistemas, que perpetuam a discriminação algorítmica e reforçam políticas de encarceramento em massa. Também no debate de segurança, é necessário olharmos para maneiras de erradicar a violência de gênero facilitada por tecnologias, seja contra mulheres, ou população LGBTQIAPN+.

Segundo a organização Gênero e Número, para cada mulher negra eleita para a prefeitura no 1º turno, foram eleitos 13 homens brancos. Já o número de LGBTQIAPN+ eleitas mais do que dobrou na comparação com 2020. Segundo levantamento feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Brasil elegeu 26 vereadores e vereadoras transexuais em 2024 – lembrando que a população trans é altamente atingida por falsos positivos em tecnologias de identificação por reconhecimento facial.

A utilização da tecnologia nesses casos e os impactos gerados na intersecção dos debates de gênero, raça e classe, só são levados adiante enquanto políticas públicas se houver representatividade desses setores sociais. Nesse sentido, há muito o que avançar.

Em relação à questão ambiental, é evidente o papel dos gestores municipais na elaboração de planos de mitigação às mudanças climáticas com investimentos em tecnologias seguras e públicas de monitoramento e alerta. Outro apontamento da carta lançada é a necessidade de investimento público no desenvolvimento dessas tecnologias e apoio a programas de reciclagem e conscientização sobre consumo de equipamentos eletrônicos e produção de lixo eletrônico, fazendo um debate com enfoque não apenas ambiental, mas de modo de vida. Essa discussão não avança se não houver representatividade no poder dos povos originários, que há séculos lutam pela preservação das florestas e fazem a crítica ao consumo exacerbado visando apenas o lucro. Contudo, os indígenas não chegaram a 0,5% das candidaturas eleitas.

Nesta semana teremos o segundo turno das eleições em diversas cidades e capitais do país, e assim como no início deste novo ciclo dos legislativos e executivos municipais, as articulações entre a implementação de tecnopolíticas soberanas e que estejam voltadas para a garantia de direitos deve estar no centro das políticas públicas e ações dos parlamentos e prefeituras.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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